Melancolia fina
Artigo publicado no Jornal O Povo, Caderno Vida & Arte, página 1
Segunda-feira, 11 de Novembro de 2002 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O fenômeno da solidão urbana é um mal contemporâneo que se alastra pela vida das pessoas dilacerando corações num incessante déjà vu. No entretempo desse sentimento de incompletude e da necessidade inevitável de sedução vagueia o ponto de encaixe do novo disco de Adriana Calcanhotto. Cantada expõe com eficiente simplicidade a vulnerabilidade impositiva de quem pede cuidados, ora se oferecendo sem pudor, ora jogando com a fórmulado desinteresse para conquistar.
Com voz melodiosa e valendo-se de sonoridades livres de excessos a compositora recorre à poesia para dar respostas à sinceridade da sua dor. Imprimindo elegância aos impulsos da paixão ela preserva a integridade romântica de quem busca se enxergar por dentro de si mesma, no lócus mais intimista de onde brota o fascínio da ansiedade contida e o desejo de encantar. Assim, logo na capa ela começa a se mostrar em partes através da sinuosidade dos lábios em batom vermelho. Tem um quê de neotenia nessa expressão se a comparamos com os bilhetes adolescentes assinados com marca de batom.
A urgência do canto de Adriana é carregada de ilusão juvenil, mas pontuada também pela paciência que só a maturidade é capaz de consentir. Se por um lado o seu desejo errante prenuncia que “tudo pode acontecer / qualquer coisa / um deserto florescer”, por outro aceita complacente que “quanto mais eu te quero / mais sei esperar”. Detalhe por detalhe, todo o disco se desdobra na sua alma plena de sensibilidade criadora e cada faixa, cada toque pessoal fixado no projeto gráfico, reproduz a melancolia fina da sua totalidade artística.