O nascimento de uma criança é um acontecimento que mexe com muitas pessoas. Seja qual for a configuração de sua família, ao nascer o bebê necessita sentir-se seguro no mundo externo cheio de novos sons, luminosidade, cheiros, sabores e texturas, depois de meses protegido no mundo placentário. Daí a importância do fortalecimento de vínculos que facilitem essa delicada adaptação.
A música e o som da voz funcionam como ligas de uma experiência comum entre adultos e crianças, iniciada na dinâmica intrauterina, durante o parto e no pós-parto, estendendo-se por toda a infância. Tornam-se benéficos para o desenvolvimento de meninas e meninos por estimularem as regiões criativas do cérebro, produzirem memória relacional e falarem a linguagem do movimento.
Um bebê em situação pré-natal, que escuta sonoridades puras e vozes suaves, chega ao mundo com um repertório de sensações afloradas na sua potente paisagem interior. A audição é o sentido das primeiras coisas, o primeiro que se abre ao mundo externo. Com quatro meses de gestação, o ouvido já está pronto para funcionar.
No livro La vida secreta del niño antes de nascer (Urano, Barcelona, 1988), Thomas Verny e John Kelly explicam essa espécie de nutrição emocional e afetiva da música e do tom da voz dos adultos no diálogo de sentimentos com o bebê. “Uma grávida que todos os dias escuta alguns minutos de música tranquilizadora pode proporcionar o relaxamento do seu filho” (p.18). Se com isso a mãe se emociona, ela transmite sua emoção ao bebê como sinal de aceitação e amor.
Na minha experiência de paternidade criadora, descobri o quanto a música e a poesia nos aproximam da infância. Procurei sintetizar tudo isso nos poemas circulares e acalantos do livro-cd Afeto (Cortez Editora), com ilustrações de Janaína Tokitaka, trilhas musicais ao piano de Eugênio Matos e prefácio da educadora Maria Amélia Pereira (Peo), que será lançado em breve, com seu carrossel de palavras e sonoridades de ninar.
A música e a poesia me parecem uma combinação perfeita para a experiência relacional familiar e das comunidades educativas. A narrativa dos instrumentos e a entonação da voz do adulto vestem a criança de melodias, ritmos, fonemas, vibrações e sentimentos. “O radar emocional da criança é tão sensível que registra inclusive os mais suaves tremores das emoções” (p.89), de acordo com o estudo de Verny e Kelly.
Oferecer música e poesia para crianças é uma prática propiciadora de satisfação para o adulto e uma forma de transmitir às meninas e aos meninos que amamos mensagens de que eles são desejados, esperados e amados. O recurso da circularidade contribui para a mudança de sentido a cada giro, deslocando percepções. Com o tempo a criança vai descobrindo o significado das palavras, encorpando seu aprendizado e ampliando referências vinculares.
Cantigas e poemas ajudam a organizar atividades cerebrais, abrem caminhos para o inconsciente, funcionam como estimuladores de estados de quietude, mexem com o corpo, evocam lembranças gravadas na memória auditiva e têm valor inestimável na formação de hábitos, quando associados à hora de mamar, de tomar banho, pegar sol, passear e de chamar pelo sono. E o melhor: a criança sente que é com ela.