Hoje é o aniversário da compositora e cantora chilena Violeta Parra (1917 – 1967). Das minhas referências musicais sedimentadas no período de estudante secundarista ela foi uma das mais importantes. Cantava com um sentimento que me tocava, falava de um mundo campesino que também era o meu e, como criadora da Nova Canção Chilena, abriu espaço ao reconhecimento do cancioneiro popular.
Recorri a Violeta Parra quando fiz o vestibular na UFC, em 1981, e o tema da redação foi uma crônica falando de caçadores que, ao abandonarem um acampamento na sombra de um pau d’arco, deixaram a fogueira mal apagada e uma fagulha caiu dentro do tronco da árvore que, ainda por um bom tempo seguiu frondosa, mas estava queimando por dentro.
Fiz um texto inspirado na artista chilena; uma reflexão que ao final entregava a sorte dos meus sonhos à canção Gracias a la Vida, e, como o basta dado por ela a seu drama, levei as palavras a cometerem suicídio na última linha. Ainda hoje sou grato a quem corrigiu a minha redação e considerou o recurso metafórico que utilizei naquela circunstância para expressar o florescer da minha mentalidade política de jovem adulto.
A obra de Violeta me chamava a atenção por ter brotado como canção rural comunitária, singela e vigorosa, e ter conseguido vingar no mundo urbano. Assim como nos vilarejos do sertão nordestino, nos povoados do centro e sul do Chile a música estava intimamente ligada à atividade produtiva, como fonte de energia para o trabalho, a diversão e o refinamento poético do ser.
Na ressignificação que deu ao processo de representação desse cantar – numa formação de charango, bombo e cuatro venezuelano – ela encontrou outras maneiras para associar a música ao cotidiano da capital, onde ainda adolescente foi morar com o irmão mais velho Nicanor. Poeta e ex-professor da Universidade do Chile, Nicanor, 103 anos de idade, vive num lugarzinho chamado Las Cruces, a 200 km de Santiago.
Ao levar para a cidade uma crônica que contava das condições de vida de mineiros e camponeses, sua arte virou canção política, música de protesto, e Violeta passou a ser perseguida sob a acusação de denunciar desigualdades e injustiças que instigavam a luta de classes. Sua música foi considerada perigosa porque, de fácil memorização, conseguia uma eficácia que o noticiário e os discursos políticos não conseguiam.
Violeta Parra participou de trupe de comediantes, fez pesquisas no campo, cantou com os irmãos em bares, circos e praças, e excursionou pela Europa com os filhos Angel e Isabel. Foi premiada na Polônia, recebida na ex-União Soviética e morou na França, onde gravou diversos discos. Foi em Paris que compôs A Carta, música na qual criticava os governantes de seu país por usarem a repressão policial como recurso para manter-se no poder sem ter merecimento.
De volta ao Chile, no final da década de 1950, trabalhou como pesquisadora na Universidade de Concepción, fundou o Museu de Arte Popular daquela cidade, fez programa de rádio e fomentou espaços culturais em Santiago. Deixou um repertório de clássicos do cancioneiro latino-americano que nos animam a pensar que, seja qual for a situação, é preciso sentir profundo como uma criança diante de Deus. Feliz centenário, Violeta!!!