O estado de fatalidade que desgoverna o Brasil tem paradoxalmente parte de sua estabilidade no frenesi da negação. A reatividade insistente envernizou o processo, e acusações de censura, preconceito e sequestro têm servido mais de despiste para mudança de atenção de grandes e perversas tramas do que para promover alteração na tortuosa rota a que o país está submetido.
Já calejadas, as expressões de ordem vão sedimentando obediência, eliminando singularidades, isolando partes, tirando a dinâmica da interdependência e fragilizando complementaridades sociais. Em certos casos o uso corriqueiro de posicionamentos contrários ao que violenta o país parece mais afirmação de afinidades entre pares do que protesto político de fato.
Dificilmente essa situação será alterada se a sociedade não tratar de inventar contra-ambientes onde possam florescer suas crenças e atos vitalizantes. Aos artistas, intelectuais, empreendedores, políticos e cidadãos em geral, não comprometidos com o que está aí, cabe a reversão desse quadro de dependência da exaltação do que não presta.
Depois de ler “A arte contemporânea e o pensamento da diferença” (Blade, Salvador, 2013), livro organizado pela artista visual gaúcha Lanussi Pasquali, com textos da historiadora paulista Cristina Pescuma e de artistas baianos, passei a pensar no tanto que a ausência de valorização da arte não manipulada tem causado passividade ou negação do diferente.
A grande provocação que tiro dessa obra é a de como uma sociedade encurralada pode encontrar saídas sem cair nas insuficientes tentações de apenas condenar e resistir. A cultura predominante procura inibir a arte e tudo o que é diferente e que ameaçar o senso comum, por impelir as pessoas a pensarem, a sentirem e a escaparem das repetições cotidianas.
A eleição da arte como espaço de intensidades, imanências e poder de coesão faz sentido à medida que o fazer artístico nasce de uma vontade poderosa, de uma existência transbordante, por isso é capaz de evocar sentimentos, percepções e pensamentos fora da caixa onde os poderes guardam suas fórmulas de ver o mundo por meio de polaridades redutoras.
O engajamento centrado na reação dificulta o deslocamento da rebeldia para as zonas de controle. Com a arte neutralizada, exacerbam-se as vontades estimuladas por ressentimentos e isso despotencializa as pessoas, promove a passividade ou atitudes reativas quase sempre voltadas à negação do diferente, reforçando, assim, o controle dos poderes dominantes.
Resta a quem acredita no Brasil encarar a realidade a partir de suas forças criadoras e não agir em conformidade com o agendamento produzido pelos interesses dos que grilaram a institucionalidade. A migração das ideologias para os desejos do consumo e para o mercado da fé tolhe anseios transformadores.
Todo fascismo é temente à arte e ao seu poder de criar possibilidades, de contribuir para a libertação do entorpecimento da cidadania. O artista não cooptado é perigoso por ser um facilitador para que tempos diversos se comuniquem e gerem novos sentidos. O desafio da arte é ser uma expressão do real normalmente abafado por uma empobrecedora padronização cultural. O sentido da diferença nessa obra, que não trata somente de arte contemporânea, é a catalisação de campos de força geradores de uma contra-ambiência criadora.