O sentimento de vazio que acabrunha a cidadania brasileira é uma expressão do abalo moral e do desarranjo civil resultante da perda generalizada de expectativa no que diz respeito a lideranças capazes de enfrentar as desafiantes oportunidades que as transformações geopolíticas mundiais oferecem a este país de afortunado potencial geográfico, natural e cultural.
Ficou difícil de acreditar em sinais diferentes dos emitidos pelas situações degradantes que vêm sendo agravadas por um modelo econômico que favorece a toda sorte de concentração e por um sistema político que privilegia o quadrilhismo partidário. O pior de tudo isso é saber que em mais de cinco séculos de colonização o Brasil ainda segue dominado por grupos de poder que não conseguiram formar um pensamento de nação.
E não foi por falta de gente com condições para isso que não assumimos a construção de um sentido de destino. A história brasileira é cheia de revoltas que poderiam ter contribuído para a produção de uma elite comprometida com o país, mas todos esses momentos de insurgência foram debelados com muita violência, matanças e extermínio dos que ameaçaram o que seria um direito de enriquecimento às custas dos outros.
Ameríndios poderiam ter derrotado portugueses em conflitos como o da Confederação dos Tamoios, logo no século XVI. Nessa mesma ordem de reflexão estaria a Insurreição Pernambucana, quando aqueles que viriam a ser os usineiros da Zona da Mata patrocinaram colonos para banir holandeses do Nordeste, e, no início do século seguinte, a Guerra dos Mascates, quando o capital mercantil urbano venceu os senhores de engenho de Olinda.
Qual seria a condição social dos brasileiros de origem africana se Zumbi não tivesse sido degolado e Palmares fosse um centro cultural e político desde o final do século XVII, não se sabe. Raciocínio semelhante vale para as gentes nativas do sertão se o guerreiro tremembé Mandu Ladino não tivesse sido morto também por bandeirantes, e se a chamada Guerra dos Bárbaros tivesse sido vencida pelos povos Cariri.
No século XVIII, a questão dos impostos uniu mineradores, clérigos, militares, intelectuais e operários em revoltas nas geraes, que acabaram com o enforcamento de Filipe dos Santos e de Tiradentes, este também esquartejado. A eliminação sanguinária de líderes ocorreu ainda em outros movimentos amplos, como a Confederação do Equador, no século XIX, que terminou com o fuzilamento do Frei Caneca e do Padre Mororó.
No século XVIII, na Bahia, foi assim, com a Revolta dos Alfaiates; no século XIX, o exército imperial fez um extermínio em massa no Pará, por conta da Cabanagem; no Maranhão, vaqueiros, lavradores, escravos e artesãos foram derrotados na Balaiada pela força armada de ruralistas, comerciantes e autoridades provinciais; e, no século XX, as Ligas Camponesas foram violentamente reprimidas pela ação militar.
Muitas dessas e de outras insurgências seguiram ocorrendo em tempos mais recentes, tendo como motivo o incômodo da exploração, da desigualdade e da injustiça. É incontável o número de pessoas que morreram lutando por um outro Brasil. Resta saber até que ponto a frustração com os grupos políticos que, chegando ao poder, traíram essa história, abalou a disposição da sociedade de continuar sonhando com mudanças.