O desencanto da população com o sistema político pode levar a uma paradoxal e desastrosa manutenção da maioria dos atuais parlamentares brasileiros nas eleições deste ano. Enquanto o desânimo da sociedade aponta para o relaxamento da possibilidade de renovação qualitativa na Câmara, no Senado e nas assembleias legislativas, entre os políticos que correm o risco de serem presos ao ficarem sem mandato, a reeleição é uma questão de garantia de foro privilegiado para que continuem cometendo seus crimes impunemente.
O problema é tão grave e tão evidente, mas ao mesmo tempo tão complexo e de difícil solução, que precisa ser enfrentado com atitudes cidadãs simples, ousadas e capazes de surpreender a conhecida esperteza dos maus políticos, que manipulam as regras democráticas para se perpetuarem no poder, assegurando inclusive a descarada sucessão de filhos, netos, bisnetos, cônjuges e demais coproprietários do sistema oligarquizado que secularmente domina a política brasileira.
Uma alternativa de interferência nos rumos do país pela transformação política seria a criação de um amplo movimento em defesa da reeleição zero para o parlamento, com propósito claro e de fácil produção de convergência. Como o ponto de mutação na democracia é o parlamento, parece viável o engajamento pela depuração das casas legislativas, apoiado por uma agenda focada em princípios voltados ao bem comum, ao respeito à coisa pública, ao fim dos privilégios, à distribuição justa da riqueza produzida e à radicalização democrática.
O acesso da cidadania à política só acontece quando o discurso vira ato. Se rejeitamos a conduta abjeta da grande maioria dos nossos representantes e o descontentamento com a degradação política a que chegamos é geral, cabe aos defensores das mais diversas bandeiras morais e ideológicas unirem-se para pôr fim à farsa instalada nos poderes da República, restabelecendo a legitimidade da representação e reconectando a sociedade com a política.
Eleger novos parlamentares não garante uma leva de políticos melhores, mas certamente não há de ser nada pior do que o quadro atual. A opção pela reeleição zero atinge alguns poucos políticos que honram a política e seus mandatos, embora tenham consciência de que atuam em uma dinâmica que os torna impotentes. Para estes, a grande prova de que realmente estão empenhados em mudar é declinar da reeleição.
É provável que até alguns dos políticos mais compromissados com grupos sociais específicos tenham dificuldade de ceder espaço ao surgimento de novas lideranças. Esse tipo de contrariedade perde o sentido quando se fala em abrir mão de renovar o mandato por algo que altere a ordem do sistema em favor da consciência coletiva e da emancipação social. Nestes casos, a proposta de reeleição zero para o parlamento poderia ser percebida como oportunidade de evolução.
A sociedade é formada por diferentes interesses. É praticamente impossível encontrar um arranjo político que receba a concordância de todos. Diante de uma crise política como a que aniquila o Brasil, é fundamental a combinação de valores e opiniões individuais para uma escolha coletiva. A reeleição zero é uma forma de a cidadania orgânica contornar barreiras acaudilhadas. Não há como mudar sem mudar.