Grupo Dona Zefinha relembra trajetória e comemora aniversário com circulação pelo Nordeste
No comecinho da década de 1990, na cidade de Itapipoca, os irmãos Orlângelo Leal, Ângelo Márcio e Paulo Orlando eram bem jovens, os dois últimos praticamente crianças, mas já acalentavam o sonho de serem artistas profissionais. Cedo eles começaram a investigar a mímica, a figura do palhaço, o teatro e toda sua estrutura, e logo também surgiram as primeiras canções, consolidando o embrião do Grupo Dona Zefinha, que, em 2018, completa 25 anos de atuação.
Naquele período inicial, os três passavam o dia em casa brincando de imitar cenas do circo, novela, filme. Conta Orlângelo que de dia eles ensaiavam para de noite convocar alguns amigos e mostrar o que tinham inventado. “Cambalhotas, cenas de luta, piadas, anedotas: de tudo um pouco era exibido para a garotada que todas as noites voltava. Até que um dia um acidente estragou tudo e fomos proibidos de fazer as atividades: um murro pegou no irmão do meio que chorou e deu problemas”, recorda hoje o mais velho.
A proibição não se estendeu por muito tempo e “Trupe metamorfose” (1994 a 2000) foi o primeiro nome que deram ao grupo de palhaço e teatro musical encabeçado pelos três. Em 1994, chegaram a se apresentar no Festival de Teatro de Guaramiranga, mas a obra “Retrato em Preto e Branco” foi incompreendida pelo júri naquele instante “por falta de amadurecimento, rascunho do que vinha no futuro ser uma estética Dona Zefinha de hibridação”, justifica Orlângelo, diretor do grupo.
Os anos 2000 vieram acompanhados de algumas mudanças, incluindo o próprio nome do grupo. “De lá pra cá, fizemos muita coisa. Visitamos 10 países, envolvendo desde Oriente aos EUA, passando pela América Latina, África, Europa. Gravamos cinco discos e montamos mais de 15 espetáculos, o que nos fez percorrer grande parte do Brasil. Chegamos a fazer uma média de 70 shows por ano”, apresenta o diretor.
Desafios
Para alcançar esses números, o trio dedicou muito esforço, especialmente por terem de vencer algumas barreiras do próprio local em que moravam, no interior do Ceará. “Nossa primeira dificuldade foi a falta de referências. Em Itapipoca, tínhamos uma biblioteca sem livros. Então tivemos que escrever nossos textos. Fomos autorais em tudo”, recorda Orlângelo. A falta de acesso e as dificuldades logísticas para realizar deslocamentos para outras cidades também se configuraram como grandes desafios. “Muitos grupos desistiram, se desgastaram demais”, afirma o diretor, com um certo alívio de não estar entre estes.
“A gente foi com persistência, conseguindo fazer com que as pessoas de fora nos contratassem. Essas coisas nos deram expertise de aprender sobre esses negócios e daqui a pouco estávamos vendendo pra shopping, prefeitura. Tivemos necessidade de sair do curral para conseguir sobreviver”, reforça.
Ao posicionar-se diante do mercado cultural como um “grupo de fronteira”, Dona Zefinha conseguiu inserções em múltiplas linguagens artísticas, transitando, além das identidades fixas, em espaços que ultrapassam locais e gêneros específicos. Mas essa classificação, de acordo com Orlângelo, tanto ajuda quanto limita. “Tem hora que a gente não cabe nas prateleiras do mercado”, ressente-se. “Às vezes a classe teatral não nos reconhece, a cena musical não nos reconhece, nem o circo”, desabafa.
Reinventar-se é preciso, e isso, a Dona Zefinha tem feito com maestria. O grupo já passou a incluir em seus espetáculos, por exemplo, os elementos tecnológicos que são quase regra para as novas gerações. E seguem confiando nesse hibridismo para seguir viagem.
Curiosidades
O nome Dona Zefinha é uma homenagem a Josefa Soares (Dona Zefinha), costureira filha de romeiro, mãe de cinco filhos, personagem presente na infância do trio de irmãos na cidade de Juazeiro do Norte (1975 a 1983). Vizinha da família, ela cuidava dos meninos enquanto os pais trabalhavam.
Angelita Maria, mãe do trio, tocava sanfona e violão, recitava poesia, participava de saraus, cantava na irradiadora da cidade do Iguatu. Estudou em escola religiosa e fez aula de canto orfeônico. Sonhava em ser circense. Reprimida pelo pai, não conseguiu desenvolver atividades artísticas de forma profissional, apenas como hobby.
Orlângelo Leal montou uma banda com amigos da escola e com seu primeiro parceiro, Ari Gama. A Plebe Juvenil era inspirada no rock nacional dos anos 80. Foram as primeiras composições, e primeiros shows do futuro diretor da Dona Zefinha, mas a banda acabou em 1994 pra virar um grupo de forró.
ANO DE COMEMORAÇÕES
Hoje, além de Orlângelo Leal (ator, diretor e compositor), Ângelo Márcio e Paulo Orlando, compõem também o grupo Joélia Braga, Samuel Furtado, Vanildo Franco, Maninho e Tamily Braga. Eles se dividem entre Itapipoca, Guaramiranga e Fortaleza. Mas é na cidade-mãe que está a sede do grupo, inaugurada em 2011, verdadeiro “engenho de invenções musicais e cênicas”, como bem definiu o músico Flávio Paiva, no livro “Invocado: um jeito brasileiro de ser musical” (2014).
Para festejar a longevidade do grupo, os integrantes farão em 2018 duas grandes circulações com a exibição pública do repertório de espetáculos. Tudo isso por meio do projeto Dona Zefinha Volante, que foi contemplado este ano por dois editais culturais: Programa de Patrocínios Banco do Nordeste Cultural 2016/2018 e Cultura Infância da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.
Circulação
As viagens acontecerão entre março e junho, contemplando, no total, 10 cidades, somando 25 apresentações de espetáculos e 17 ações formativas, dentre vivências e palestras. A circulação começa em Sousa, na Paraíba (de hoje, 7, a 11 de março), e segue para quatro cidades do Ceará: Juazeiro do Norte (21 a 25 de março), Fortaleza (27 de março e dias 17 e 18 de abril), Jaguaribe (05 a 08 de abril) e Itapipoca (10 a 12 de maio).
Serão apresentados gratuitamente os espetáculos “O casamento de Tabarim”, “Chafurdo” e “O circo sem teto da lona furada dos Bufões” e realizadas duas ações de formação de plateia, o workshop “Vivência Cenomusical” e a palestra “Arte, Mercado Cultural e Gestão de Carreira”.
Na circulação do edital Cultura Infância 2017, o Dona Zefinha Volante vai passar por cinco cidades do Ceará – Tejuçuoca, Pentecostes, Umirim, Santana do Acaraú e Morrinhos – levando dois espetáculos cenomusicais infanto-juvenis do grupo, “O circo sem teto da lona furada dos Bufões” e “Chafurdo”, e duas ações formativas, as palestras “Cenomusical – O teatro e a música no processo de hibridação” e “Palhaçaria nossa de cada dia”.
Além disso, até o fim do ano, eles ainda se programam para lançar o quinto disco do grupo, “Da Silva – El Hijo de Las Américas”, uma co-produção com o grupo Argentino Pato-Mojado.
“Estamos muito felizes de conseguir sobreviver, morando no interior, fazendo conexões com o globo”, aponta Orlângelo, ainda que um pouco temeroso em relação ao cenário político nacional.
“Se entrarmos num governo que não compreenda a arte como um setor econômico de força, ele vai destruir tudo que conquistamos. Esse é nosso principal medo e todo dia tentamos encontrar uma alternativa nova de sobreviver. Temos que ter capital de giro, se não a gente morre”, observa o diretor do Grupo Dona Zefinha. Por hora, a saída é circular.