Enquanto a Rússia era dominada pelos tártaros e ainda rezava nas trevas do cristianismo bizantino, ao qual se convertera em 988, a Europa vivia as transformações culturais que floresciam com o Renascimento (séc. XIV a XVI). A crise da Igreja Ortodoxa, provocada pela queda de Constantinopla (1453), hoje Istambul, mas à época conhecida como Segunda Roma, abriu para os príncipes russos as condições para reivindicarem o título imperial de ‘Czar’, uma derivação de ‘Caesar’, com o intuito de fazer de Moscou a Terceira Roma.
Dos mongóis, a Rússia aproveitou a tecnologia militar, a burocracia e o eficaz sistema de tributação para criar um Estado com o qual pudesse se defender e se expandir. O czarismo ampliou o império russo pela colonização e anexação de territórios. Um poder absolutista no qual até os nobres eram servos e não senhores de terras no sentido europeu. Foi quando Pedro, o Grande, percebendo a insustentabilidade política desse sistema, tomou a decisão de direcionar o país para o Ocidente (séc. XVIII), onde o racionalismo iluminista apresentava-se como alternativa.
A ousada invenção de São Petersburgo (1703) foi o grande símbolo dessa mudança estratégica rumo ao oeste. A cidade levou meio século para ser construída sobre o chão pantanoso do delta do rio Neva. Obras de arte e projetos arquitetônicos foram importados para distanciar simbolicamente este novo centro urbano daquela Rússia exótica e suas edificações de coloridas cúpulas bulbosas, reforçando a definição política da mudança e estimulando a ocidentalização da aristocracia russa.
Com muitos russos poderosos que só sabiam falar a forma camponesa que tinham aprendido com os criados na infância e, por outro lado, aqueles aristocratas educados no exterior e que mal conseguiam falar a língua dos compatriotas, estava instalada uma divisão na elite do país. Contudo, a Revolução Francesa (1789), que para os russos passou a ser sinônimo de inconstância e ateísmo, o ataque à Rússia por Napoleão (1812) e o apoio da França aos turcos-otomanos na Guerra da Criméia (1853 a 1856), abalaram o fascínio dos russos pelo Ocidente e uniram a Rússia na defesa de uma causa comum nacionalista.
Houve com isso uma inclinação generalizada para a retomada do estilo de vida do país. Nessa reviravolta as coisas tradicionais, presentes no cotidiano, ganharam relevância especial. Orlando Figes ressalta que nessa onda de revalorização as crianças passaram a ter mais atenção da sociedade. Ele relata com muita beleza de detalhes essas movimentações em favor da infância. Na sequência, o governo foi pressionado a emancipar os nobres da obrigação de servir ao Estado (1762), a abolir a servidão (1861) e, consequentemente, a criar instituições públicas voltadas para a melhoria do bem-estar dos camponeses
Nas páginas de Uma História Cultural da Rússia, Figes descreve impressionantes batalhas das artes e da literatura na guerra entre os autores que defendiam a tradição e os que eram favoráveis à europeização. Quando já quase nada podia ser expresso sem o uso do francês, escritores e artistas deslocaram-se para o interior do país em busca de insumos para reforço do idioma e potencialização estética em favor de um modo de vida mais autenticamente nacional [Continua na terça, 03/07].
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