Na Rússia da revolução de 1917 a arte e a literatura estavam cada vez mais próximas da experiência social. Com a morte de Lenin (1924) e a ascensão de Stalin ao poder, o realismo socialista passou a definir o estilo oficial para a função dos artistas e dos escritores na construção da sociedade soviética. Figuras extraordinárias, como Vladimir Propp (filólogo), Serguei Prokotiev (compositor), Marc Chagall (artista plástico), Serguei Eisenstein (cineasta) e Lev Vygotsky (psicopedagogo), passaram a ter suas criações consideradas incompatíveis com a nova ordem coletivista.
O espaço de expressão reduziu-se intensamente para autores que trabalhavam obras livres de condicionamentos políticos e culturais. Até o poeta Maiakovski, que era fortemente engajado no projeto revolucionário, e que, na tentativa de não ser excluído chegou a se filiar à Associação Russa de Escritores Proletários, cometeu suicídio (1930) no apartamento comunitário onde morava, data considerada também como o tempo de morte da Vanguarda Russa.
Máximo Gorki criou um refúgio para escritores apontados como destoantes da doutrina estabelecida. Ao tratar desse assunto, Orlando Figes ressalta que após a morte de Maiakovski os soviéticos retomaram as tradições nacionalistas do século XIX, adequando-as ao triunfalismo do que seria a autovalorização russa. Paralelo a isso, ganhavam projeção obras de ficção científica que apresentassem a utopia comunista se realizando, mesmo que em um futuro distante da Terra, como em Andrômeda (1957), de Ivan Efremov.
Figes relata que artistas como Stravinski construíram no exílio uma imagem cosmopolita, sem, no entanto, deixar morrer suas dolorosas almas russas. A rejeição de Stravinski ao que o regime soviético fez com a arte foi tamanha que ele passou a negar seu maior feito, que foi o de lançar mão da música popular russa como elemento de estilo inovador nos palcos. “O balé era exatamente o que Stravinski afirmava que não era: uma expressão direta da música e da cultura do campesinato” (p.357), comenta o historiador com relação à cantata As Bodas (1923), na qual o compositor retrata uma festa de casamento no campo.
Alguns autores apaixonados pela política e pelo socialismo tentaram voltar ao país. Gorki foi um destes. Após a morte de Lenin ele procurou a reconciliação com os antigos companheiros, mas não funcionou. Ao criticar os excessos do então novo líder Josef Stalin, o escritor pode ter sofrido um ‘assassinato clínico’ (1936) ao ser hospitalizado por conta de uma gripe.
No país onde as brincadeiras de deslizar por encostas nevadas em blocos de gelo cobertos de palha viraram rodas sobre trilhos e ganharam o mundo com o nome de Montanha Russa, nada é mais vertiginoso do que o trabalho artístico e literário de criar uma comunidade nacional de valores e ideias entre os altos e baixos de uma cultura de muitos horizontes.
O livro de Figes, publicado originalmente como Natasha’s Dance (2002), mostra como a arte e a literatura transita por sinais, símbolos, códigos, rituais, gestos e atitudes comuns que, visível ou invisivelmente, firmam o significado público de uma sociedade. Uma História Cultural da Rússia, encerra seu percurso com a desintegração da URSS (1991). É uma obra de interpretação cultural muito bem escrita e recomendável [Final].
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