A literatura africana que mais me agrada é aquela cujos traços autorais guardam autenticidade do olhar e do contar. Acabo de ler a novela A Estação das Sombras (Pallas, 2017), da escritora camaronesa Léonora Miano (46), e estou encantado, tanto com a força do seu enredo quanto com as revelações de costumes, crenças e espiritualidade que, ao longo do texto, vão sendo feitas com acurado conhecimento.
A obra de Miano trata do momento em que uma aldeia subsaariana é surpreendida pela primeira vez com a captura de pessoas para serem escravizadas pelo sistema de tráfico transatlântico do final do século XVI. O sequestro é contado a partir do atordoamento da comunidade atacada; um drama que envolve casas incendiadas e pessoas que correm para a mata onde são apanhadas em redes de caça.
O clã não tem ideia do que está acontecendo. Sabe apenas que fora algo que o poder dos ancestrais, a habilidade dos velhos guerreiros e a agilidade dos jovens bravos não pôde impedir. Passado o susto, os que retornaram deram conta de que dez jovens e dois adultos haviam desaparecido. Entre estes estava, inclusive, o guia espiritual da aldeia. Não havia informações, só conjecturas vagas.
Sem o orientador místico e com a curandeira acometida por uma indisposição, logo após o incêndio, tudo fica muito confuso. O caráter inesperado da situação aumenta a dificuldade de lidar com o problema. Pessoas murmuram súplicas às divindades que se manifestam nos elementos (maloba) para serem liberadas da existência entre os vivos, e pedem explicações aos ancestrais e ao Deus criador (Nyambe).
A anciã mais velha propõe que fossem alojadas sob o mesmo teto as mulheres cujos filhos não foram encontrados, de modo a evitar que suas dores e seus lamentos contaminassem toda a aldeia. O Conselho da comunidade acata a sugestão e decide que elas ficariam confinadas em uma casa comum afastada para que o cotidiano do clã voltasse ao normal. Ninguém deveria sentir falta delas para que a vida pudesse se reorganizar.
Decisão desse tipo não fazia parte da tradição local; pelo contrário, a perda de filhos levava as mães a dançar e a cantar como forma de superar a dor. Mas como ninguém tinha noção do que acontecera, as mães foram imantadas como uma única e mesma pessoa, em uma solidariedade aparente, conquanto “Cada uma delas luta com seus pensamentos, suas emoções. Cada uma delas mantém, com o filho desaparecido, uma relação única” (p.34).
Na escuridão, elas têm presságios, lutam com visões e escutam vozes sem rostos: “Mãe, abra pra mim, para que eu possa renascer” (p.8). Todavia, nenhuma está autorizada a falar do que sonhou e nenhuma pronunciará os nomes “daqueles filhos cujo destino ignorava”. Era prudente não os citar, pois se ainda estivessem vivos, o Mal poderia se apoderar daquela vibração especial.
Nas buscas pelas razões do sumiço repentino de parte dos seus membros, o clã descobre que o sequestro tinha sido feito pelo povo vizinho, interessado em vender homens aos estrangeiros vindos pelas águas do litoral. E o percurso da narrativa segue rumo ao mar, com personagens diferentes que passam pelo reino responsável por aquela tragédia, por comunidades aglutinadas em decorrência de situações adversas, portanto sem memória comum, em cenas ricas de expressões culturais, angústias, surpresas boas e momentos imaginativos. Muito bom.