Um novo país em construção
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 18 de Setembro de 2008 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O presidente Lula vem quebrando o próprio recorde de aprovação do seu governo. No último dia 12, o Instituto Datafolha divulgou um crescimento de nove pontos percentuais de aceitação na faixa que abrange o ótimo e o bom. Evoluiu de 55% para 64% com avaliação positiva em todos os segmentos sociais. Parte dessa aceitação deve-se à incrível habilidade, paciência e determinação do governo para a implementação de uma estratégia de desenvolvimento capaz de buscar o ouro e fio nos pratos da balança dos fundamentos macro-econômicos e das políticas distributivas de renda.
Na teoria da curva do crescimento há um ponto-chave em que se não for dado o salto para a nova curva que surge, a tendência é o declínio. Lula subiu nas pesquisas porque já deu esse salto, porque já está na nova curva ascendente. A percepção que a população demonstra ter do seu governo não diz respeito apenas ao que ele vem fazendo. O governo tem oferta de perspectivas para quem vem se beneficiando da riqueza do país desde o início da colonização e para a grande maioria marginalizada pelo modelo concentrador vigente no país há cinco séculos.
O documento “Um novo Brasil em construção” (BNDES), que explicita os grandes eixos de investimentos previstos para serem realizados no país no período de 2008 a 2011, é mais do que animador, pois projeta a expansão econômica em bases concretas e desafiadoras. Esse vigoroso ciclo de investimentos prevê algo em torno de R$ 1,5 trilhão e tem como principal sustentação o crescimento do mercado interno, a ampliação das exportações e as obras de infra-estrutura do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC da ministra Dilma Rousseff. Nessa bandeira, hasteada para os olhos do topo da pirâmide social, está escrito “Mais Brasil para mais brasileiros”.
Para a base da pirâmide, especificamente, o Presidente tem acenado com a correção estruturada da dívida social e cultural brasileira, a ser efetuada com base na exploração de gás e petróleo da recente descoberta das gigantescas reservas do pré-sal. O que se convencionou chamar de pré-sal é uma espessa camada submarina de sal resultante da separação dos continentes sul-americano e africano há mais de cem milhões de anos e que está dentro dos limites das 200 milhas do mar territorial brasileiro.
Se hoje as reservas que garantem a auto-sustentação brasileira são calculadas em aproximadamente 15 bilhões de barris, as reservas do pré-sal estão estimadas entre 30 e 80 bilhões de barris. Não precisamos conseguir visualizar esses volumes extraordinários, basta observarmos sua proporção para entender porque o presidente Lula tomou a decisão política de fazer uma reparação histórica das desigualdades brasileiras, financiando a educação e erradicando a pobreza com a exploração dessa jazida.
Para destinar os recursos advindos da exploração do gás e do petróleo do pré-sal, o governo precisa fazer mudanças institucionais e nas leis de regulamentação da exploração do petróleo, evitando que os lucros das reservas do pré-sal sejam capturados pelas mesmas mãos que há tanto colocam no bolso os resultados mais consideráveis da riqueza nacional. Por isso essa questão é tão polêmica. O egoísmo social da elite brasileira tem dificuldade de entender que há riqueza para todos. Inconformada, fica jogando os acionistas da Petrobrás contra o governo sob o argumento de que Lula é contra o aumento da lucratividade da empresa.
Temos dois modos de observar essa questão. Uma, com um olhar colonial; a outra, com um olhar pós-colonial. Com os olhos de cinco séculos atrás, querendo ou não e em nome da fé e do império lusitano, teremos que achar normal a entrega da riqueza do pré-sal ao usufruto da minoria que se instalou como dona das terras brasileiras. Já com os olhos voltados para um novo país em construção podemos ver que faz todo sentido aproveitar a possibilidade de exploração da abundância de petróleo e gás do pré-sal para posse e gozo dos desvalidos.
As reservas petrolíferas do pré-sal formam um tesouro que não pertence a ninguém em particular. Estavam lá, guardadas, como que esperando o momento certo para fazer parte de uma virada de página na história do Brasil. É inspirado nesse olhar que o presidente Lula se mostra empenhado na criação de uma empresa estatal que possa contratar a Petrobrás (que é uma empresa mista, parte pública, parte privada) para a exploração do gás e do petróleo do pré-sal, e destinar seu lucro para a educação e para a superação da pobreza.
Pela lei vigente todo o petróleo extraído no Brasil pertence à empresa que o extrai, tendo o governo o direito a participações e a royalties, que são distribuídos entre a União, Estados e Municípios. Nos demais países do BRIC, Rússia, Índia e China, o petróleo extraído é repartido com a nação ou a empresa que faz a exploração é remunerada pelo serviço e ponto final. Temos ainda a vantagem de contarmos com a Petrobrás e sua mundialmente respeitável tecnologia de exploração em águas profundas, considerando que o pré-sal está a mais de seis mil metros de profundidade.
Em tese, a saída para os mais expressivos problemas econômico-sociais do Brasil está em curso. Isso quer dizer que estão abertos novos e duros campos de batalha. No campo interno precisamos superar as barreiras do egoísmo social dos herdeiros das sesmarias. Já no campo externo são sintomáticas as reações que se esboçam no sentido de inibir as pretensões brasileiras. Não é à toa que o preço do barril de petróleo caiu tanto e que a União Européia reviu o percentual de sua meta de uso obrigatório de biocombustíveis. Não é à toa também a instigação externa aos conflitos sul-americanos.
Visto da ótica dos países que ainda se beneficiam das nossas insuficiências de autonomia cultural, política e econômica, o problema é que se o Brasil der certo haverá uma tendência de avanço continental. O grau de institucionalização, de estabilidade democrática e de possibilidades econômicas postas à revelia do FMI, da dívida externa e dos mercados cativos, alcançado pelo Brasil, tira o país do estigma de terra do samba, do papagaio e do futebol para firmá-lo como potência pós-colonial. E, novamente, não é à toa que há poucos meses passou pela costa brasileira uma esquadra norte-americana com cinco mil soldados mostrando os dentes, na tentativa de explorar as reservas do nosso complexo de inferioridade.
Acredito que um novo país está em construção porque sinto a chegada do capítulo que se abre com as perspectivas de um estágio positivo de desenvolvimento. Nada está garantido, o que há são possibilidades reais, que só serão efetivadas com muito esforço conjunto. A clarividência de Lula aponta para uma política geradora de consciência da realidade no enfrentamento dos seus desafios e superações. A utopia está com os pés no chão, mas sem esquecer de fitar o horizonte. De um lado, aproveitando as vantagens comparativas e competitivas da economia global e, de outro, ousando destinar parte significativa da sua riqueza para promoção da equidade e da estabilidade social, por meio da educação e, conseqüentemente, da cultura, como resgate dos brasileiros que, injustificavelmente, ainda vivem aprisionados sob a linha de pobreza.