O estado de provação decorrente da pandemia de coronavírus está forçando a humanidade a finalmente repensar o que de tão grave fez consigo mesma e com a natureza para levar o mundo a essa situação de colapso. Entre as ideias que tendem a ganhar força, depois da intensa reinvenção de hábitos cotidianos por que estamos passando, está a economia afetiva, uma forma de reinventar o mercado pela valorização dos ganhos coletivos nas relações de criação, produção, venda e consumo.
Jackson Araújo, analista de tendências de moda e ativista de racionalização criativa para a sustentabilidade, vem há meia dúzia de anos trabalhando com o conceito de Economia Afetiva, criado por ele para ser um catalisador de interações orientadas pelo respeito, empatia e complementaridade. A força dessa proposta envolve o sentimento de estar junto e de fazer junto, pensando no que é bom para os outros. “A moda não é mais sobre roupas, mas sobre pessoas!”, diz convicto em seus escritos e palestras.
Diretor criativo do festival Trama Afetiva, um campo de convergências e experienciações voltadas à potencialização de sobras e resíduos da indústria têxtil e de confecções, esse cearense transfronteiriço, com sua inquietude inventiva, enxergou que escassez e desperdício são tão pouco combináveis quanto o desnecessário e o que faz sentido à vida. Assim, a cura descortinada por ele vem da potência do design de alteridade, da arte abundante, do ócio reparador e do viver com o essencial. Nesse nomadismo imaginativo, cuidar de si, como forma de cuidar dos outros, torna-se um ato relevante de micropolítica.
Há muito o que aprender e reaprender com essa pandemia e seus efeitos desconcertantes. Testes de consciência, como o do Covid-19, poderão forçar saltos nos modos da humanidade, sobretudo no tratamento de gente como sobra, como resíduo. A economia afetiva de Jackson Araújo propõe novas maneiras de tessitura das diferenças sociais e culturais, dando, inclusive, melhor atenção ao que tem sido normalizado como opostos: “leve e pesado, decorativo e minimalista, masculino e feminino, jovem e idoso, artesanal e tecnológico”, na perspectiva de “uma estrutura social que transforma e é transformada para fazer-se inteira novamente”.
Jackson fala de inversão de relevâncias na mudança de direção do olhar, que na economia afetiva sairia da exploração narcísica dos corpos para o conforto do bem-estar. A reflexão que faz sobre a moda, como plataforma impulsionadora de padrões de aparência, revela o quanto ficamos viciados em reparar os outros pelos filtros de um juízo estético e social consumista, por meio do qual caímos no abismo das superficialidades, desconsiderando os comportamentos originais das pessoas e as peculiaridades dos seus mundos.
O grande desafio da moda, enquanto indústria criadora de narrativas globais, é reconhecer que está doente e, reforça Jackson, procurar outros propósitos que não o dos excessos de produção, visando apenas o lucro pelo lucro. Esses argumentos encontram eco nos diversos setores de uma economia que terá de se reinventar, caso floresça uma cultura da satisfação com o necessário. A pressão de finitude espalhada mundialmente pelo coronavírus é um dos sinais de que precisamos abrir caminhos alternativos para a continuidade da experiência humana nos novos tempos.