O desafio demográfico
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 10 de Setembro de 2009 – Fortaleza, Ceará, Brasil
As previsões que vêm sendo trabalhadas pelo Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) indicam que chegaremos ao ano de 2050 com dez bilhões de habitantes. Não há como o planeta suportar tanta gente, não há como ter recursos para a manutenção de uma qualidade mínima de vida, não há como não sucumbir à poluição.
Esta é a grande bolha que mais dia menos dia explodirá de maneira trágica. A humanidade se multiplica em alta velocidade, coisa de cem milhões de pessoas a cada ano. Na metade do século XIX, o mundo contava apenas com cerca de um bilhão de pessoas. É estarrecedor observar essa proliferação, sem uma tomada de consciência do que isso significa.
É irracional seguir com esse crescimento. Mas não se vê ações decentes e eficientes voltadas para a redução do número de vidas humanas. Enquanto ninguém parece se incomodar com essa escalada de insensatez, a perspectiva da má nutrição, dos conflitos por terra, trabalho e toda sorte de inclusão se agigantam.
As aglomerações urbanas aumentam sem planejamento adequado e o incômodo dos congestionamentos intensifica o estresse e a intolerância. Os meios para viver, para sobreviver, para escapar da precisão e da morte, para ampliar a criminalidade e a violência nas cidades grandes e pequenas, estão corrompidos pela insegurança real e seus fantasmas: assaltos, sequestros, tráfico de drogas e especulação imobiliária são atividades que atingem recordes em lucratividade e corroem o bem-estar coletivo.
Os novos modelos econômicos pós-neoliberais impõem a diluição das diferenças individuais e o definhamento das identidades comunitárias. As patologias sociais são transmitidas de modo viral no comportamento da cultura virtual de massa, ampliando incertezas e, consequentemente, a visão do outro como ameaça predadora.
No plano da psicanálise, talvez se possa dizer que essa padronização do desespero, essa fixação competitiva, deve constituir uma espécie de caráter inconsciente das inspirações de metas isoladas, em uma sociedade em franco declínio de aspirações. É como se ficasse difícil pensar em felicidade, com tanta gente disputando um lugar ao sol.
A delinquência não aparece mais como um desvio comportamental de indivíduos, ela se impõe como um atributo dos germes dos tempos. A sensação de que seremos dispensados a qualquer momento de um lugar que imaginamos ter na vida; sensação essa estimulada pela presença visível de gente demais por onde andamos, tem gerado um tipo de pânico geral e, como todo pânico, tem provocado atitudes e posicionamentos irrefletidos.
Ao mesmo tempo em que não se para a fim de de pensar e de praticar saídas para a questão demográfica, o senso comum se desdobra em atos e fatos destrutivos, próprios de quem está acuado. Tenho a esperança de que esses sintomas de degradação dos espaços de convívio humano sejam sinais de que, ao estourar, a bolha demográfica forçará uma nova consciência social, caso contrário, dificilmente teremos chance até de nos lamentar.
Nessas horas teríamos que recorrer ao nosso tão incenssado livre arbítrio e perguntar “por que não evitamos de vez o crescimento populacional planetário?” e, mais, encontrar respostas que levem a uma realidade mais amigável. E uma realidade mais amgidável passa pelo estabelecimento de um limite ao número de viventes humanos na Terra.
O caso da explosão demográfica é um problema que só se resolve com lucidez. Porém, como encontrar coerência nessa crise de reflexão, nessa crise do pensamento, nessa crise de sentido, que permitiu as metas tomarem o lugar dos sonhos?
A questão do excesso de humanos no mundo tem fronteira anunciada: não dá para o planeta sustentar tamanha população, sobretudo, a parte que devora de modo irresponsável tudo quanto é reserva natural. A discussão está toda direcionada para o aquecimento global porque acaba sendo mais confortável tratar de fatores hipoteticamente subordinados à inteligência, que são os fatores relacionados ao meio ambiente. Mais uma vez a ingorância da hipermodernidade, a fúria devastadora dos lenhadores de motosserra, teima em separar as pessoas da natureza.
Este limitador de visão provavelmente é um dos principais agravantes para que a humanidade não assuma o grande desafio de se conter em sua proliferação destruidora. Abordar a questão demográfica assim, como uma praga, é duro para a vaidade humana. Espécies e mais espécies da fauna e da flores entram a todo instante no rol dos seres vivos ameaçado de extinção, por força da ação egoísta de todos os que consomem além do necessário. Encaramos o fato sem pensar que, seguindo assim, estamos cavando a noss própria sepultura.
Como o mundo tem sido dominado pelas grandes corporações, as soluções apresentadas normalmente aparecem vinculadas a engenhosidades tecnológicas, a controle de sementes e a expansão econômica. Com um mínimo de clareza é possível notar que não há saída por esse caminho. A tão propalada sustentabilidade passa pela redução da população e pelo despertar das pessoas no que diz respeito ao consumismo e seu impacto sobre a Terra.
Como o debate sobre controle populacional é polêmico e pressupõe a quebra de um tabu, estabelecido pelo receio de extermínios e laqueaduras institucionalizadas, que no frigir dos ovos, dificilmente deixam de sobrar para os mais pobres, o assunto vai sendo empurrado, sendo empurrado, sendo empurrado até um dia se revelar calamidade universal.
Caso deixamos que esse dia aconteça e, do jeito e no ritmo que vamos, ele não tardará a certamente rondar os mais desfavorecidos, os mais fracos, os mais vulneráveis cultural, político e economicamente, com o dedo em riste, acusando de culpados os inocentes. E estes, pela culpa de terem nascido, pagarão da maneira mais torpe e dramática que se possa imaginar.
O fator aniquilador tem sirene apavorante e dá o tom de urgência à questão da explosão demográfica. A humanidade já criou tantos artifícios fabulosos de sociabilidade, como a cooperação, a tolerância e a justiça, que ainda temos condições de evitar a megatragédia da dizimação humana em massa.
O desafio que está posto não tem precedentes na história da humanidade. Já não dá mais para ficar repetindo que “estamos aqui só de passagem”, pois o desenrolar dos fatos demontram a finitude do mundo, como o conhecemos. O discurso de que o planeta é apenas a nossa morada amplia o descompromisso com a preservação e neutraliza as ações determinadas a apagar o estopim da bomba demográfica.
O entendimento de que a vida é orgânica e que nós, seres humanos, apesar do nosso inquestionável valor de transformação, integramos a natureza, somos parte dela, faz-se necessário e urgente, de modo a pararmos de matar a fauna e a flora, sob pena de morrermos juntos. Quer dizer, poderemos até destruir os recursos vitais que nos protegem, mas a natureza em si, ora a natureza em si, esta seguirá sendo o que for, do jeito que for, com ou sem a nossa participação.
Temos três caminhos a escolher: 1) seguir com a estupidez de sermos os predadores de nós mesmo, até sumir enquanto raça humana; 2) deixar o crescimento do númeto de habitantes do planeta forçar reações da natureza em proporções tais que nos elimine da vida; e 3) lutar para o restabelecimento do equilíbrio nas relações humanas e buscar a integração mais plena possível com a natureza, da qual somos parte. Quer dizer, o desafio demográfico só tem uma saída. E não adianta dizer que não!