Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 12 de Novembro de 2009 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Depois da queda do Muro de Berlim, há 20 anos, que caracterizou a insolvência do comunismo, o capitalismo, sem um contrapeso ideológico, perdeu escala e transformou o mundo em um insuportável lixão de produtos desnecessários, com um gravíssimo contencioso ambiental e humano, movido por relações imediatistas e fratricidas. Essa farra do paradoxo entre o consumismo e a concentração de riquezas teve seu colapso marcado pelo estouro da bolha do sistema financeiro em 11 de setembro de 2008.
A realidade pós-comunista e pós-capitalista é nebulosa. Tenho chamado a nova tendência de Social Ambientalismo Participativo e penso que a realização em dezembro próximo da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, na cidade de Copenhague, capital da Dinamarca, será o primeiro embate público entre as duas superpotências que procuram se firmar como as mais influentes na reconfiguração geopolítica, curiosamente os dois maiores poluidores do planeta, que são Estados Unidos e China.
A luta em Copenhague tem papel de parede ambiental, mas o ringue é para o redesenho do novo mapa político, econômico e social do mundo. O que está em disputa é a nova geografia de poder. Quem pode conquistar mais aliados, quem pode definir novas hegemonias culturais e quem conseguirá expandir mais seus domínios econômicos, na alteração do equilíbrio do poder mundial. O que vamos ver em Copenhague é um esverdeado espetáculo de geopolítica, na sua acepção de relação entre poder e território.
O divisor de águas nas encostas da nova geopolítica global começará, portanto, a ser delineado na capital dinamarquesa. Isso vai acontecer porque a realidade do mundo está bem diferente de 1997, quando foi feito o Protocolo de Quioto, que visava criar compromissos das nações para a redução de gases poluentes e a desaceleração do aquecimento global, e os EUA decidiram simplesmente não assinar e ficou por isso mesmo.
Hoje, além da intensificação do sentimento de que os mais ricos e mais poluidores devem ser taxados pelos danos que causam, existe o fator China, que se apresenta como potência econômica capaz de fazer pender para seu lado o prato da balança do poder global, embora seja o outro grande vilão do verde e não tenha a concentração de poder político e bélico que tinha a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, no período da Guerra-Fria, quando travava com os EUA conflitos infernais camuflados, em cinematográficas e pouco ortodoxas disputas estratégicas.
Enquanto o Protocolo de Quioto pretendia uma redução da temperatura global entre 1,5 e 5,8 graus centígrados até o final do século, estudos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts revelam que se não forem tomadas providências contundentes nesse sentido, o século XXI terminará com um aumento da temperatura do planeta em 7 graus centígrados, o que significará uma catástrofe climática de altas proporções, que pode inclusive encerrar a experiência humana. Assim, o ideal seria que o mundo saísse de Copenhague com uma agenda pontuada de metas qualitativas e quantitativas para redução do efeito estufa, mas isso dificilmente acontecerá, considerando que nessa conferência será travada a primeira batalha, não de uma nova Guerra-Fria, mas da Guerra-Verde multipolar.
Infelizmente, por trás do papel de parede ambiental que decora os salões das conferências climáticas, o que está em jogo para muitos países, especialmente para aqueles que têm mais culpa no cartório socioambiental planetário, é a preservação de vantagens econômicas e políticas. Isso não significa dizer que os esforços terão sido vãos, nem tampouco que deveremos vestir a carapuça das frustrações. Seja qual for o resultado, a batalha verde de Copenhague será vitoriosa, pelo menos por servir para dar visibilidade ao real comportamento dos Estados Unidos, da China, da União Européia e de todos os países que se dizem empenhados em contribuir para a solução dos problemas que degradam o planeta.
Diante desse quadro obscuro, a decisão do governo brasileiro de sinalizar com uma redução de cerca de 40% das nossas emissões de gases-estufa até 2020, me parece uma posição decente, pé no chão e descolada da tentação dos holofotes. O Brasil vai para Copenhague afirmando em outras palavras que pode, parte sozinho e parte dentro de um esforço global, reduzir o desmatamento e promover o reflorestamento de parte da Amazônia, do cerrado, da caatinga, da mata atlântica, do pantanal e dos manguezais, mas que está também disposto a cuidar da racionalização dos transportes, do aumento do uso de fontes de energia limpa.
Está de bom tamanho. Não dá para querer fazer graça em um ringue com dois pugilistas pesos-pesados como EUA e China. É natural que os movimentos ambientalistas, até por seu papel de formação de consciência crítica, pressionem o País a assumir posições mais ousadas, assim como é natural que, por razões eleitorais, correntes legítimas e outras nem tanto, cobrem até o que não dá para assumir, dentro da lógica de ver a casa pegar fogo para se apresentar como bombeiro na sucessão presidencial em 2010. Exagerar nos números e em providências isoladas, sem levar em conta as regras a serem firmadas pela comunidade internacional e os fundos de recursos a serem efetivados para assegurar as intervenções necessárias, seria uma imprudência estratégica.
O Brasil não deve se arvorar a querer dirigir a cena na batalha verde de Copenhague porque, ao lado da Rússia, da Índia, da Malásia, do México, do Irã, da Ucrânia, da África do Sul, enfim, de todos os países que são tidos pelos Estados Unidos e China como possíveis satélites a gravitarem em suas órbitas, ele é alvo privilegiado do confronto que está por trás das cortinas verdes. Por seu tamanho de mercado, por sua abundância de riquezas culturais e ambientais, pela estabilidade da sua democracia empírica e por sua visão esperançosa de mundo, pode até brilhar em Copenhague, mas deve se comportar como estão se comportando a União Européia, que tem seus planos, mas está discretamente de soslaio, e o Japão, que não tem muito como, nem motivos concretos para entrar no ringue.
Entender o encontro de Copenhague como um ritual de conquista no qual duas superpotências tentam se distinguir como liderança global na multipolaridade é mais importante do que dar uma de bacana, assumindo previamente compromissos de duvidoso cumprimento. O momento é de colaborar com conceitos e sinalizações de atitudes, para que o documento decorrente da reunião possa apresentar um tratado global, com princípios, regramento jurídico, fontes de recursos, acordos, tecnologias e compromissos comuns, mas com responsabilidades diferenciadas, que levem a implantação de medidas compartilhadas de redução da agressão humana à natureza.
Do embate entre China e EUA na batalha verde em Copenhague podemos tentar observar que sinais indicam algumas das reformulações urgentes e necessárias, como novo modelo de produção, novos modos de consumo e nova governança mundial. A grande contribuição que o Brasil poderá oferecer nessa repactuação do novo modelo de desenvolvimento planetário é colocar suas potenciais alternativas ante os países que já destruíram suas florestas e hoje são “desenvolvidos” e os que ainda têm florestas para destruir ou preservar. E fazer isso sem se deixar atrair com exclusividade por uma ou outra superpotência, apostando no diálogo e no equilíbrio dinâmico da desejável multipolaridade.