Das muitas formas de busca por soluções de conflitos territoriais envolvendo unidades federativas, a pior é a que vem sendo desenvolvida com relação ao litígio de fronteira entre Ceará e Piauí. Os representantes políticos desses dois estados parecem agir como se fossem inimigos, e não vizinhos, com interesses próprios, mas também causas conjuntas.
Ceará e Piauí são corpos políticos irmãos e, como em toda relação fraterna, é natural que aconteçam desavenças. O que não é razoável é protelar pendengas judiciais, prejudicando o desenvolvimento e causando danos à vida das pessoas que habitam as áreas em litígio. Essa questão vem se arrastando desde 1880, com as imprecisões de um decreto imperial.
Na sexta-feira passada (19) houve uma reunião na Assembleia Legislativa do Ceará, provocada pelo Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Estado, para tratar do litígio com o Piauí. No momento, o caso está com uma ação piauiense tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), e uma decisão vertical da justiça, mesmo sendo legítima, tenderá a encerrar o conflito criando outros até mais adversos.
A aposta no confronto pelo confronto tem sido uma característica negativa dos tempos atuais, mas o Ceará e o Piauí vivem um momento propício a uma busca por convergências, como reza a boa política: ambos têm nos governadores Camilo Santana e Wellington Dias lideranças sérias, respeitadas, cordiais e comprometidas com o diálogo, que poderiam tomar para si a construção de um acordo adequado, decente e bom para os dois lados.
Ajustes territoriais não deveriam ser contaminados por queixas do passado e por sentimentos hostis, que só perpetuam desavenças. Percebi tal vulnerabilidade quando, décadas atrás, acompanhei de perto essa questão, e estive na maior das zonas desse litígio. Na reportagem “Villa Macambira – A paz de um mundo perdido na fronteira política dos homens” (O POVO, 04/04/1986), descrevi como, apesar de tudo, as pessoas inventavam um cotidiano de tranquilidade em meio à instabilidade da dependência da resolução do conflito.
Se, com as informações fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a coisa não andou, não será com base em cartografias militares que vai andar. O mais apropriado para essa situação é a consulta aos habitantes de cada zona em litígio, para que definam se querem ser cearenses ou piauienses. O redesenho de áreas passa, antes de tudo, por considerações existenciais e pelas peculiaridades de cada povoado.
As correções de distorções decorrentes do tempo de inércia do litígio vêm depois disso. As pessoas precisam acreditar que eventuais mudanças ou a permanência será melhor para suas vidas. Isso é possível com um acordo abrangente, capaz de abraçar interesses substantivos e de separar os pontos consensuais dos divergentes, elaborado a partir de propostas respeitosas de equivalências, flexibilidade de trocas e concordância na montagem de uma agenda comum de ganha-ganha.
O que torna essa situação preocupante é que Ceará e Piauí parecem envoltos com o conflito em si, em vez de direcionar esforços ao que de fato precisa ser resolvido. Ir além do âmbito dos aspectos conflitivos facilita a mobilização de agentes culturais, ambientais, políticos e econômicos, a criação de plataformas de impulsão de atividades, o desenvolvimento de novos operadores cooperativos e a potencialização de complementaridades públicas e privadas.