A água era pouca para saciar a sede na floresta e os bichos andavam preocupados com a morte que não parava de bater metas. A raposa, que fora eleita para conduzir os destinos da mata, estava gostando da bagunça porque ficava inspirada com a comoção da desgraça instalada. Seu eventual substituto, o jabuti, movimentava-se lentamente, mas sempre em direção à linha de chegada ao comando.
Havia no semblante dos dois um certo contentamento com as possibilidades centralizadoras que o caos prenuncia. Entretanto, ninguém conseguia dormir no palácio: a raposa e sua corja sempre de olho no jabuti, e o jabuti com seu bando não cessava de espiar os movimentos da raposa.
Astuta e traiçoeira, a raposa finge cumplicidade para atrair o opositor:
– Compadre jabuti, não seria o caso de controlarmos o acesso ao poço com mais firmeza? Ouvi dizer que a onça, o guabiru e a lagartixa estão querendo se unir para arranjar água de outras fontes para distribuir com os bichos.
– É, comadre raposa, não podemos permitir que a situação saia do nosso controle. Afinal, o bode, o sapo e a fuinha estão doidos pela preferência dos bichos.
– Neste aspecto, estou tranquilo, compadre. O bode gosta mesmo é de bodejar, a fuinha tem medo de mamar na onça e o sapo não pode ver uma substância líquida empoçada que, mesmo sem saber se está fervendo, salta dentro. Mas, se essa é uma preocupação sua, pode ir na frente que depois eu lhe acompanho.
O jabuti partiu com sua lerdeza, e a raposa, confiante na agilidade das pernas, subestima o adversário e resolve tirar uma soneca antes de dirigir-se ao poço. O jabuti, que de besta não tinha nada, pegou uma carona com a lagartixa e apareceu primeiro na aglomeração do bebedouro.
A raposa chegou depois e não conseguiu se mostrar aos bichos com o destaque que queria. Xingou a seriema pela falta de visibilidade e, de uma patada só, arrancou o rabo da lagartixa. A onça e o guabiru ficaram olhando atônitas para a ponta da cauda do réptil se mexendo separada do corpo. Foi quando o jabuti se aproximou e acalmou a todos:
– Fiquem tranquilos, isso não passa de uma estratégia de distração do inimigo. Outro rabo há de nascer, é da natureza das lagartixas.
A raposa e o jabuti sabiam que, independentemente da falta de água, o que estava em questão mesmo era o domínio da floresta. No passado, prepostos das suas linhagens se deram bem com a ajuda da águia, embora nas circunstâncias em que se encontravam a rainha das rapinantes de bico curvo estivesse enfrentando problemas de escassez de água em sua terra, onde a morte sente-se em casa.
Sem muita expectativa de ajuda externa consistente, resolveram decidir as coisas entre si.
O jabuti deu uma paulada no rabo da raposa:
– Desculpe, comadre, pensei que fosse a cobra querendo se meter nos assuntos do palácio mais uma vez.
A raposa deu um salto e virou o jabuti de pernas para cima:
– Eita, pensei que fosse o baiacu querendo se enturmar novamente.
Enquanto isso, no meio da bicharada sedenta havia bicho se fazendo de doente para ser carregado pelos outros, bicho empenhado em arrancar a crista da seriema, bicho envenenado pelo baiacu, bicho imitando as manias da raposa, bicho tentando cortar a barba do bode, bicho aparando o bigode da fuinha, bicho querendo colocar sal nas costas do sapo e bicho montando loja de revestimento de quelônios.
MORAL DA HISTÓRIA: No tempo em que os bichos falavam as coisas eram mais claras.