Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 29 de Abril de 2010 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Toda vez que vejo alguém dizer que a Copa do Mundo de 2014 será a Copa Verde, fico com pressentimentos positivos e negativos com relação a Fortaleza, enquanto uma das 12 cidades-sede do maior evento do futebol mundial. Positivos, porque aflora em mim uma incontida esperança de ver a cidade dotada de eficiente gestão ambiental; e negativos, porque a impressão que me dá é de não haver ainda em nosso meio uma clareza do que tudo isso significa, o que torna muito exíguo o prazo de quatro anos.
A sustentabilidade como marca da Copa de 2014 está voltada para estádios com certificação ambiental, transporte coletivo de qualidade, priorização de biocombustíveis, oferta de produtos orgânicos e promoção do ecoturismo. Mais do que um esforço por equidade social, para sediar a Copa o Brasil prometeu ao mundo uma atenção especial às questões ambientais e o governo incluiu a arborização nos pacotes de investimentos em infraestrutura das cidades-sede.
Fortaleza-sede é uma chance para virarmos o jogo dessa cidade de poucas praças, sem calçadas, sem verde e aparentemente sem vergonha de ser assim. Fortaleza é uma cidade bonita, mas tem sido muito maltratada. Houvesse uma delegacia das cidades, muita gente “boa” estaria atrás das grades pelo espancamento físico e simbólico à venda de logradouros públicos, chacina de árvores em situação de rua, construção dentro do mar e impermeabilização de vias com pavimentação inadequada.
A priorização aos empreendimentos verdes é um compromisso que precisa envolver arquitetura bioclimática, paisagismo, mobilidade, locomoção e acessibilidade. A cidade carece de uma requalificação do sistema de transporte, de revitalização e arborização dos logradouros públicos. Carece de sombra, de paisagem limpa, sem poluição de outdoors, de valorização de ecotáxis, de ciclovias, ruas sem lixo, sem zona azul, reforço de segurança e de restaurantes com produtos orgânicos em seus cardápios.
Os estádios Castelão e PV deverão ter sistema de aproveitamento de água, fontes de energia eólica e solar, coleta seletiva de lixo e acesso fácil por meio de transporte público de qualidade. Além das arenas desportivas, as construções da Fortaleza de selo verde devem ser multiuso, confortáveis, expor arte urbana e optar por materiais ambientalmente corretos, tais como madeiras certificadas, tijolos de solo-cimento e argamassa ecológica. A cidade precisa se preparar inclusive para recolher e reciclar agilmente todo o lixo gerado por milhares de torcedores e turistas durante o evento.
Um aspecto de grande sensibilidade nesse tipo de situação é o destino das pessoas que inevitavelmente se deslocarão para Fortaleza em busca de oportunidades; pessoas que demandarão por serviços públicos de saúde, lazer, educação e qualificação profissional. Para que não sejam largadas à própria sorte é necessário que exista um plano capaz de cuidar desse contingente no pós-Copa.
O desafio da consciência verde para Fortaleza passa por um novo ordenamento urbano, com intensificação de projetos de moradias sociais, quer através de programas do tipo “Minha casa, minha vida”, quer por meio de alugueis subsidiados por fundos de igualdade e qualidade de vida urbana, para aproveitamento de imóveis desativados em áreas como o centro da cidade. Essa nova ordem deve promover a aproximação das pessoas pelo melhor uso dos logradouros públicos, como espaços de reconhecimento e de autoidentificação.
A Copa de 2014 é uma oportunidade de assumirmos esta cidade, de olharmos de fato para ela… e para nós, como merecemos. É inconcebível vivermos em uma cidade que, de acordo com o inventário ambiental de 2003 (PMF/UFC), tem uma cobertura vegetal de apenas sete por cento (7%). E não dá para reverter essa situação dramática apenas com campanhas de plantação de árvores para sair no Guinness book. Para falar em sustentabilidade, a primeira coisa que precisamos é criar uma cultura da manutenção das árvores já existentes e das que forem plantadas.
A exemplo de cidades como Porto Alegre, Goiânia e de outras que desenvolveram Plano Diretor de Arborização Urbana, Fortaleza vem se mexendo timidamente para criar as diretrizes necessárias à preservação, manejo e expansão da sua cobertura vegetal. Cuidar do verde urbano é o mínimo que a gestão de uma cidade pode fazer para ser verdadeiramente contemporânea. A arborização é indispensável no que pode significar em termos de melhoria das condições climáticas, da qualidade do ar e da paisagem, da redução da poluição sonora e da relação da cultura urbana com a natureza.
A conquista do selo verde por cidades como Fortaleza é o grande troféu que temos a receber da Copa de 2014. Se tudo der certo – e tomara que dê – teremos uma cidade integrada, com os passivos sociais da desigualdade amenizados, dentro do que se pode ter em comum, e os passivos ambientais recuperados, pelo menos nas áreas públicas. E quando falo de integração, estou pensando na região metropolitana, com o aproveitamento do potencial de ecoturismo de cidades como Maranguape, Aquiraz, Eusébio, Guaiúba, Pacatuba e São Gonçalo do Amarante, dentre outras.
Não há tempo para reinventar a roda. Fortaleza precisa urgentemente examinar o que pode ser aproveitado de ações que vêm sendo desenvolvidas em outros lugares. É o caso do Protocolo de Maracanaú, uma tentativa de responsabilidade do poder local com relação à questão ambiental, em uma cidade de alta complexidade industrial, mas que tem plano participativo de arborização e até um 0800, disque-árvore. É o caso também do trabalho de censo arbóreo feito no parque do Ibirapuera, em São Paulo, no qual para incentivar a formação de consciência ambiental, as árvores receberam placas indicativas com espécie, características e valor estimado em reais.
O governador Cid Gomes vem comandando uma contribuição à Fortaleza, como há muito não se tinha notícia por parte do governo estadual. No que diz respeito à urbanização estão em curso obras como a do rio Maranguapinho, a do Parque do Cocó e a melhoria do Lagamar, no trecho da avenida Raul Barbosa, que dá acesso ao aeroporto. A prefeitura, com Luizianne Lins, recuperou o Passeio Público, tem feito a necessária limpeza de algumas lagoas e canais e o saneamento de áreas de risco, evitando muitos dramas de famílias desabrigadas em períodos de enchente.
A cidade possui algumas áreas verdes especiais, como os jardins da Unifor, os campus do Pici e da Uece, o Condomínio Espiritual Uirapuru (CEU), a estação receptora do Exército, na Cidade dos Funcionários, o Passaré do BNB e o sítio-museu do Estrigas e da Nice, no Mondubim. Entretanto, os parques públicos, a exemplo do Rio Branco, Parreão, bosque da Sargento Hermínio, carnaubal do Siqueira, recantos da Sapiranga, Sabiaguaba e estuário dos rios Pacoti e Ceará, precisam ser devidamente apropriados pelo fortalezense. O mesmo ocorre com as praças, tão mal cuidadas, e com as avenidas Rui Barbosa, Dom Manuel, Duque de Caxias e Barão de Studart, que perdem sistemática e cruelmente suas últimas árvores.
Na abandonada zona oeste está em pauta a criação do parque Rachel de Queiróz, que poderia muito bem ter um trecho dedicado ao saudoso escritor ambientalista Lauro Ruiz de Andrade. Mas é um arrastado sem fim. A obra ambiental requer uma cultura que Fortaleza ainda não tem, para entrar no mundo das cidades criativas. Precisamos já de uma poética urbana, que diga que o verde é para a cidade e que a cidade é para as pessoas.