Era no diminutivo que expressávamos a grandeza dos nossos avós. Nossos pais, Toinzinho e Socorro, que sempre chamamos de Paizinho e Mãezinha, nos orientaram a chamar os pais deles de Vozinha e Vozinho.
Em muitas circunstâncias, para dar clareza de qual avó ou avô nos referíamos, acrescentávamos com o mesmo tom de afeto os seus nomes sociais: na esfera materna: vozinha Odélia e vozinho Zé Sena; no campo paterno: vozinha Fransquinha e vozinho Manoel Rodrigues.
Guardo comigo muitas lembranças do convívio com elas e com eles.
A vozinha Odélia, com seus movimentos silenciosos de índia com sobrenomes espanhóis, me fazia cafuné e me colocava na conversa quando ia dar de comer aos papagaios. Mas era fazendo chouriço doce, com sangue e banha de porco, farinha de mandioca, rapadura, gergelim, erva doce, cravo, pimenta, gengibre, castanha de caju e amendoim, que ela me encantava. Tanto que eu passava o dia todo quieto nos galhos do juazeiro do quintal de casa observando-a atiçar o fogo e mexer pacientemente aquela iguaria no tacho sobre pedras. Aquele era um doce único, de sabor mágico.
A vozinha Fransquinha tinha uma incrível áurea de paz em seu semblante com ascendência nos cristãos-novos. Adorava rir das minhas danações. Minha proximidade com ela se deu mais nas vezes em que passei férias no sítio onde ela morava, na avenida João Pessoa, bairro Damas, em Fortaleza. A casa alpendrada e cercada de coqueiros tinha um pomar maravilhoso e, ao fundo, já na rua de trás, havia uma roça de mandioca. Pois uma das recordações mais vivas que tenho dela vem exatamente do saboroso e aromático bolo de macaxeira que ela fazia. Era muito bom, tinha gosto de carinho.
O vozinho Zé Sena mantinha o sobrenome italiano do pai, mas em registro guardava a origem portuguesa da família Paiva. Era bonachão, respeitoso e conquistador. O típico comerciante de bodega do interior. Desde pequeno passei a ajudá-lo nos dias de feira. Os produtos a granel eram medidos em litros de madeira e os que tinham embalagem de fábrica eram abertos para venda no retalho. Tudo, no entanto, recebia embrulho em papel pardo fechado em dobras manuais, e era anotado em uma caderneta para pagamento posterior. E tinha o divertido balcão dos bêbados, onde eu servia bebidas em doses copo a copo. Vez por outra eu me sentava no colo do vozinho e ele me dava orientações em voz baixa, passando a mão nas minhas costas. Eu me sentia o máximo.
O vozinho Manoel Rodrigues era um caboclo brabo, andava armado e, muitas vezes, de dia ou de noite, chegava agoniado na nossa casa, depois de escapar de emboscadas e de passar por situações de queima de cercas em conflitos de terra. Comigo ele era afável. Costumava pegar na minha barriga, puxar o couro e fazer ‘lepo’. Mas eu gostava mesmo era quando ele me chamava para ir de carro para a fazenda abrindo as cancelas. Na boleia da caminhoneta ele não contava nada sobre brigas. Falava de como criava gado sem derrubar a mata nativa, do cheiro da abertura dos silos de capim com melaço e do gosto de tomar banho no estrado do pé de laranja plantado no terreiro. De madrugada, ralávamos rapadura dentro do copo e íamos ao curral beber leite mugido. E o dia podia chegar.