O livro estava quase pronto e precisávamos definir o título. O tema era um processo inovador na articulação social voltado para a interação da sociedade, do mercado e dos poderes públicos, de modo que o interesse comum tivesse um tratamento especial por parte dos grupos sociais divergentes. O editor Saidul Mohamed nos cobrava uma expressão que também fosse original e que apontasse para o desejo de escapar das tradicionais restrições impostas pela herança colonial e escravagista predominante no Brasil.
Pensamos em “Gestão Compartilhada”, e, como subtítulo, o objeto do nosso trabalho a oito mãos: “O Pacto do Ceará”. Isso mesmo, quatro autores com experiências de vidas, visões e posicionamentos políticos diferentes, mas reunidos em torno de um projeto de governança plural e diverso, que por uma década instigou a implementação de iniciativas integradas no cotidiano social, econômico e político cearense, ganhando notoriedade nacional e tornando-se referência internacional.
Tínhamos ainda em comum o fato de todos sermos cearenses, e do interior do estado, além de termos papeis específicos no funcionamento dessa ação de cidadania, conceitualmente estruturada na autonomia, na complementaridade e na interdependência. O economista Osmundo Rebouças, de Icapuí, era o secretário-executivo; o também economista Cláudio Ferreira Lima (1947 – 2018), de Pacoti, cuidava da relação entre o governo e a iniciativa privada; o psicoterapeuta João de Paula Monteiro, de Crateús, era o coordenador da qualidade; e eu, de Independência, cuidava da comunicação.
O editor da Qualitymark, um indo-moçambicano e carioca ligado na perspectiva desse exercício político coletivo, procedente de um lugar deslocado dos centros decisórios do país, nos desafiou a encontrar um símbolo para a sua mudança paradigmática. Foi quando propusemos a utilização da imagem do sol. E o livro foi lançado no início do ano de 1994, tendo na capa a figura ardente dessa estrela que ao longo de muitas décadas foi usada como pretexto para a deplorável ‘indústria da seca’.
Escrevemos: “O relacionamento do cearense com o sol vai-se formando sobre outro prisma. O astro, antes considerado adversário, agora é aliado. Mais que isso, um parceiro que cuida da baixa umidade e assegura a constância da fotossíntese para o advento da agroindústria tropical, que fornece calor para as energias alternativas, brilho ideal para lentes e câmeras, e é reserva inesgotável para o turismo permanente. Tudo isso, sem perder a pulsação estética que sempre fez correr luz na veia poética da inquietude cearense”.
Pois bem, diante da crise energética que abala o mundo, temos apenas 7% de geração de energia solar fotovoltaica no Ceará. No Brasil, esse percentual é bem menor: 1,8% da matriz energética do país. Ou seja: a transição planetária das matrizes energéticas de origem fóssil para as energias limpas e renováveis é uma realidade sem volta.
Somente a título de ilustração do que temos pela frente: o consumo brasileiro de energia gira atualmente em torno de 176GW, e o potencial de geração solar, somente em território cearense, é de 643GW. Essa comparação é positivamente assustadora. Quando vejo esses números, fico pensando no momento em que escolhemos o sol para a capa de um livro que nascia com o propósito de contribuir para o redirecionamento dos nossos olhares ao horizonte da humanidade desperta.