Falta ar na vida urbana, falta ar nas florestas e falta ar nos oceanos. Está faltando ar em quase tudo. A pandemia de Covid-19 revelou o quanto estamos sem ar nas relações sociais. O sufoco da humanidade pede escolhas criativas que possam sustentar a respiração dos seres viventes, mas pede também mais aragem de reflexão e alegria com o oxigênio da arte, da literatura e do amor.
No fluxo das manifestações que vêm surgindo em decorrência da exaustão provocada pelos efeitos da transmissão massiva do coronavírus, está o álbum “Oxigênio”, da cantora, compositora e guitarrista gaúcha Laura Finocchiaro, disponibilizado desde a sexta-feira passada (19) nas plataformas de streaming. São 15 faixas, nove delas compostas e gravadas durante o isolamento social.
Laura, que passou a morar recentemente em São Paulo, fez toda a produção em home studio no Rio de Janeiro, no calor táctil de sua guitarra, microfones e equipamentos de programação eletrônica. Pela internet, contou com a bateria eletrônica de João Parahyba, a flauta de Artur Rodrigues, as cordas de Bozo Barreti, baixo, grooves e sintetizadores de Hasn Zeh, as vozes de Ana Martins e Patrícia Mellodi, a mixagem de Francisco Patrício e a masterização de Carlos Freitas.
Quando a pandemia se estabeleceu no Brasil, a artista estava vivendo um momento de dor pela perda do amigo Jorge Salomão, de quem musicou o poema “A Vagar”, dando batida eletrônica ao coração do cotidiano e iniciando a preparação de “Oxigênio”, o seu 14º álbum. Essa música é um convite à permanência: “Não se pode perder a esperança (…) Eu sou seu som”.
O desespero misturava-se à melancolia nas pessoas que precisavam se expor como imperativo de sobrevivência, enquanto outras se confinavam e o número de mortos ganhava escala assustadora. Foi nessa atmosfera que ela musicou a letra de “Asfixia”, o extravasamento da dor de um personagem do meu conto homônimo, que será lançado no final da tarde do próximo sábado, dia 27, na Casa Bendita, em Fortaleza.
O processo de criação de “Oxigênio” tornou-se possível com a presença afetuosa de Maria Espiridião, a amada de Laura, para quem compôs “Mulher Maria”, uma espécie de ode à potência feminina. Na mesma pulsação produziu “Minas Sonoras”, uma parceria com Aninha Martins: “Juntas somos mais fortes (…) nos palcos, nas praças, na rua / Juntas somos sonoras / Sem perder a doçura”.
Em deferência especial ao movimento LGBTQIA+, regravou “Hino à Diversidade”, parceria com Glauco Mattoso e Roberto Firmino lançada há vinte anos na Parada Gay de São Paulo. Com os pulmões cheios, canta a angústia da alegria ceifada em “Trans”, composta com Hans Zeh e J. Caminha, e o direito de cada pessoa de ser o que é na regravação de “Chapéu”, com letra de Leca Machado.
Em “Nonsense”, também com Leca Machado, Laura Finocchiaro passeia pelo outro lado do espelho, no mundo imaginário das maravilhas de Lewis Carroll (1832 – 1898), para enxergar melhor o palco da contaminação: “Tem a hora da ira (…) Tem a hora de orar / Pros que foram embora (…) Vale Vida / Um país inteiro”.
Na música “Vírus”, composta com João Luiz Vieira, uma mensagem ao grande agente infeccioso do país: “Você (…) entrou, não teve jeito, só fez matar”. E desabafa: “Minha vacina é meu desprezo (…) Asqueroso”. Na canção “Da Paz”, parceria com Maria Esperidião, um apelo contra a burrice do rancor, do digitar sem ler e do jogo da falta de ar.