A morte de uma criança é sempre muito comovente. Fica no ar aquela sensação de que a pessoa não viveu o suficiente. Quando o falecimento se dá por acidente, então, essa comoção é mais forte ainda. Foi o que aconteceu na terça-feira passada (25) com o menino José Bruno Feitosa de Melo, de dez anos, atingido por um banco de madeira enquanto brincava com outras crianças na Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, a 500 km de Fortaleza.
Uma tragédia que requer antes de tudo a solidariedade com a família do garoto e com a instituição, além de atenção especial no que diz respeito a eventuais aproveitamentos da fatalidade, que se dão em forma de imputações despropositadas e de brechas para imposições de velhas e novas sujeições às crianças, por meio de técnicas de vigilância da infância.
É desarrazoado interpretar esse acontecimento infeliz por juízos, convicções e especulações que desconsiderem a dinâmica da infância livre. No percurso da meninice, em qualquer lugar e situação, a maior proteção que se pode assegurar a uma criança é o direito de brincar. Sim, brincar é uma maneira integral de desenvolvimento humano, por meio da qual se aprende que viver é desafiador, e não perigoso.
Na existência há muitas coisas para as quais não temos respostas. A morte de uma criança brincando é uma dessas coisas que deixam interrogações sem fim. Mas algo é certo quanto ao que se deve fazer quando, mesmo diante de tais desventuras, tomamos atitudes em favor da vida:
Mais do que regras, confiança
Mais do que acusações, afeição
Mais do que segregações, aconchego
Mais do que inércia, solicitude
Mais do que proibição, o direito de brincar
A Fundação Casa Grande é um lugar de prática efetiva dos direitos da infância há três décadas. É respeitada e reconhecida nacional e internacionalmente por isso. Ali a criança descobre, pela brincadeira, a força dos vínculos e da dinâmica da igualização na diferença, o sabor da corresponsabilidade no tomar de conta do ambiente de convivência e a importância de ser de um lugar.
As meninas e os meninos que sedimentam o tempo da infância e da adolescência na Fundação Casa Grande aprendem a sentir, a interagir e a se mover no mundo com desenvoltura peculiar. É como se elas e eles tivessem a Chapada do Araripe como um dorso imaginário para cavalgadas fagueiras pelos devires da potência cultural do Cariri cearense.
É evidente que nem sempre desejos, necessidades e olhares individuais têm coesão no conjunto da sociedade, o que explica algumas manifestações lamentáveis contra a Fundação Casa Grande. Aproveitar-se desse desconcertante episódio para atacar a instituição é uma injúria que resvala nas tantas e tantas crianças que incontestavelmente usufruíram, usufruem e ainda usufruirão dos pontos nodais da sua ação educativa comunitária e cidadã.
A complexidade dessa situação enternecedora pede o distanciamento da angústia decorrente da partida inesperada do Bruno para que se observe ainda o que é mesmo morrer. Recorrendo a uma metáfora do filósofo hindu-catalão Raimon Panikkar (1918 – 2010) sobre a morte e a vida, penso que uma criança que morre brincando não desaparece como a ‘gota da água’ que cai no mar; ela segue seu fluxo como acontece com a ‘água da gota’, permanecendo na cultura da infância, seja qual for o tempo e o contexto de sua experiência, misturando memória e sentido de destino com as curiosidades que surgem a cada instante.