Uma cidade é feita de muitas histórias. Todos podem e devem contar o que sabem e o que descobrem sobre ela. A mim, coube a honra de escrever sobre a origem do nome do lugar onde nasci: Independência. E o que mais me impressionou ao fazer a pesquisa bibliográfica e de campo na produção do livro “Toque de Avançar. Destino: Independência” (Armazém da Cultura) foi o forte e intenso fator de representação que carrega em uma só palavra significado e significante.
Fundada por uma cultura nômade, Independência sempre foi aberta, itinerante e radiante, o aqui e o acolá de uma gente espalhada pelo mundo pela diáspora nordestina. Mesmo morando onde for ninguém sai de lá porque Independência é uma palavra horizonte, uma compreensão de ser-no-mundo traçada pela poética dos sertões altos, por isso é uma conexão, e não apenas uma ideia geo-humana.
Chegar a essa visão de lugar com um nome decorrente de alguma coisa e também destinado a alguma coisa – um município integrado a referentes de importância histórica nacional protagonizados por pessoas determinadas em suas aspirações de liberdade – me instigou a realçar a cidade no campo dos lugares vivos. Independência como espaço a ser preenchido por um combinado de consciência e de sensações tecidas por uma singularidade.
Foi, então, que resolvi fazer uma intervenção urbana de literatura e arte nos muros e paredes da cidade, com as pinturas que o Valber Benevides fez para o livro. Queria tirar a história das páginas e levar para as ruas, dando aos espaços urbanos um caráter de embelezamento e de estímulo à circulação do espírito original do nome Independência, em uma rede de articulações simbólicas destinadas a orientar o olhar de quem vive e de quem passa pelo lugar.
Embora a arte-lambe seja efêmera, enquanto papeis colados em superfícies externas, ela fixa uma particularidade necessária para dar liga social, cultural e política à população. Mais do que isso, oferece tangibilidade aos feitos de uma gente que não abriu mão do nome que escolheu para dar sentido à ideia de emancipação movedora de suas lutas. A preservação do nome Independência, em substituição a Pelo Sinal, sem submissão aos interesses imperiais, tem um componente utópico anticolonial.
Implícita na chamada “A história do Brasil passa por Independência”, disposta nos pôsteres distribuídos pela cidade, está a mensagem de que dois séculos depois da separação de Portugal (1822), o país ainda continua dominado por interesses externos. No livro Toque de Avançar procuro colocar Independência no território geográfico, cultural e histórico ao qual a cidade pertence, associando, contudo, o seu destino ao do Brasil, na expectativa de firmar a possibilidade como uma crença.
A dimensão heroica do meu relato sobre a ação coletiva que deu origem ao nome Independência está reforçada na música tema do livro, feita em parceria com o cantor e compositor Edvaldo Santana: “Para onde iremos / Se deixamos para trás as batalhas / Do herói-sem-nome?”. O propósito é confrontar qualquer sensação de ausência, saindo da casualidade de Khôra, a figura-conceito utilizada séculos a.C. por Platão para falar de significados e vazios nos recantos de passar e de ficar, considerando o nível de identificação das pessoas com um sentido comum.
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