O novo filme infantil da Disney-Pixar é uma animação montada sobre os avanços estruturais que ao longo dos anos e a duras penas vêm sendo feitos na pauta de conduta da sociedade com relação à condição feminina. “Red – Crescer é uma Fera” (EUA, 2022), da diretora sino-canadense Domee Shi, faz uma caricatura da mãe superprotetora e do dilema da filha entre ser boa menina e assumir os conflitos da passagem da infância para a adolescência.
Com pegada inclusiva, essa animação agrega à pauta do espaço vincular familiar e feminino mais do que a complexidade emocional da aceitação e da negação na puberdade: uma menina negra, uma gordinha, uma ruiva e uma de aparelho nos dentes formam o grupo de amigas da protagonista, que é uma chinesinha. Tudo bem distante das princesas branquelas e longilíneas que definiram os padrões do cinema infantil de massa no século passado.
O foco nos novos tempos dá a essa produção um ar mais racionalizado, excitante e psicologizado, sem a ternura, sem a poesia e sem a literatura que tinham clássicos como Dumbo, Pinóquio e Bambi. As neuroses infantis e maternais, perseguidas como fontes do mercado de autoajuda e de coaching parental, pedem exemplos inspiradores de superação, modelos práticos e aplicáveis que facilitem escapar dos desencontros de interesses na interação mãe e filha.
Os produtores do filme recorrem à tradição chinesa como contraponto à evolução moderna dos costumes, expondo de uma só vez a ancestralidade oriental como opressiva e atrasada, e promovendo o apetite de consumir como ideal de prazer e felicidade. Essa mania de debochar da cultura dos povos divergentes é uma prática comum no cinema estadunidense, enquanto máquina de disseminadora de conceitos hegemônicos.
Dois comportamentos de base servem de guia ao enredo de “Red”: de um lado, a necessidade de, em seus 13 anos, a menina ser compreendida e respeitada em sua individualidade, e, do outro lado, as atitudes controladoras da mãe, que dificultam experiências indispensáveis ao amadurecimento da filha. A figura da mãe acaba reduzida a um grande obstáculo na constituição da personalidade da criança, servindo de oferenda comparativa para quem busca respostas aos conflitos da relação mãe e filha.
A animação faz um trocadilho semiótico com a aparição de um panda-vermelho, que é a fera da iniciação menstrual habitante das meninas quando estas precisam lidar com as emoções desse período de transição que altera o corpo e desperta o coração para o desejo de namorar. Nesse aspecto, o filme trabalha com dois impulsos freudianos da energia psíquica: a libido, entendida aqui como estimulação para a realização de desejos, e a agressividade, como demolidora de barreiras.
Com mensagens sedutoras de que as crianças precisam aprender a se virar sozinhas, “Red – Crescer é uma Fera” pode funcionar como consultório de entretenimento de massa em favor da autonomia feminina infantil. Mas é bom estar atento ao caminho sugerido pelos produtores; um caminho que passa pela noção de que é fazendo dinheiro que se pode comprar a fuga da tradição pelos labirintos do consumo. E não é bem assim, pois os encaixes das vontades da protagonista poderiam muito bem se dar na conquista do apoio da mãe na prática de algum esporte, na escolha livre de amigas e amigos ou para ficar de casal com alguém nem sempre da simpatia da família.