O ativismo digital muitas vezes assume o papel de porta-voz das pequenezes individuais e coletivas e, quando isso acontece impensadamente, torna os posicionamentos políticos vulneráveis pela generalidade de ataques rasteiros. O palanque eleitoral em rede, com seu público incomensurável, vem sendo ocupado por mensagens capciosas, e essa é a realidade das campanhas políticas onde negar é mais motivador do que afirmar as razões do voto.
Pensando nesse cenário embaraçado pela retirada dos acontecimentos de contexto com o propósito de desacreditar opositores, veio-me à cabeça a peça “Assim é, se lhe parece” (1917), na qual o dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867 – 1936) trata o conceito de verdade a partir da bisbilhotice. Como um pensamento puxa outro, lembrei-me de ter citado esse exemplo em um dos miniensaios do meu livro Código Aberto (pp.180-192, Cortez, 2019).
Lá, encontrei muitos autores referenciados, e acabei direcionando a minha atenção a algumas analogias que fiz entre o repassador compulsivo de mensagens eletrônicas da atualidade e o ‘homem-massa’ de Ortega y Gasset (1883 – 1955) nas aglomerações repentinas ocorridas nas cidades europeias da primeira metade do século passado. O principal ponto desse assemelhamento está no reflexo multitudinário de indivíduos, antes deslocados da cena de poder, que se tornaram visíveis e instalaram-se em espaços preferentes da sociedade.
A figura do ‘homem-massa’ contempla aquelas pessoas que se sentiam acomodadas na condição de se enxergarem pelos olhos dos outros e, movidas por mudanças de escala de participação, resolveram assumir a mesquinhez como um valor. A realidade brasileira passa por esse tipo de fenômeno, tratado, inicialmente, por quem poderia tê-lo evitado, simplesmente como uma modinha antidemocrática que logo se autodestruiria. Mas o filósofo espanhol já dizia que essa gente não tem nada de tola; apenas por serem vulgares proclamam o direito à vulgaridade.
Ortega y Gasset via os enxames urbanos do seu tempo dotados da mesma carga de ansiedade com que se pode ver hoje o compartilhamento deliberado de desinformação nas redes sociais. Tudo fica muito parecido quando ele diz que esses seres são feitos de pressa e cheios de afetação, que cavalgam pobres abstrações com as quais se identificam entre si e, assim, seguem rumo ao acaso, sempre disponíveis a serem qualquer coisa e a destruir o que não for banal.
Cada dispositivo de comunicação digital foi virando um potencial multiplicador de comícios em rede, onde predomina a intransigência pleonástica. O que poderia ser um admirável campo de movimentações de pontos de vista degringolou para uma zona de colisões de verdades tensas, de acusações desbocadas e de inconveniências invasivas, com deliberada intenção de aniquilamento do divergente, e não de construção do diálogo nas divergências.
A ideia de que cada pessoa é uma mídia na virtualidade produziu a sensação de que se pode postar e reencaminhar qualquer coisa, mas também gerou a compreensão de que é sempre bom reproduzir o que certos grupos disseminam nas redes sociais como forma de proteção coletiva. Essa falta de dupla noção das consequências é outro aspecto do comportamento atual que associo ao ‘homem-massa’. No modo de ver de Ortega y Gasset, a visibilidade incita o indivíduo mediano a exercer o predomínio na vida social, abalando os processos políticos.