No entorno de uma mesa retangular, sete artistas visuais contemporâneas, de diferentes regiões brasileiras, distribuem entre si lápis de cera e papeis para uso em uma vivência de escuta. Elas integram o coletivo “Entre Nós”, e estão em residência artística de dez dias (22 a 31 de julho) de imersão na casa-ateliê de Erika Peron, na praia do Porto das Dunas, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Além da anfitriã, o grupo, formado por Gabrielle Dantas, Jô Biachini, Mariana Barca, Thais Thiemi, Vitória Venâncio e Vivian Nunes, estava ali para uma atividade relacional comigo, tendo como interface minhas composições e os relatos das situações que as motivaram ser criadas. Foi no período da manhã do domingo passado (24) que realizamos esse ato estético responsivo.
Enquanto disponibilizava os enunciados contextualizados das obras, nascidas de situações que um dia arrepiaram a minha pele, aceleraram as batidas do meu coração, tocaram a minha alma ou provocaram a minha mente, eu escutava as cores das impressões e subjetividades de cada uma, em afetuosa correlação de singularidades.
Selecionei trabalhos literomusicais com temas, pulsações e intérpretes bem diferentes, que pudessem aproximar pessoas em uma relação de escuta e, assim, ressoar em suas histórias pessoais. A revelação do motivo gerador de cada composição teve a função de destravar a porta da racionalidade, deixando a passagem livre para as sensações, os sentimentos e as emoções.
A descoberta da familiaridade com o que parece desconhecido é uma experiência irrepetível que permite a quem se encontra pela primeira vez a intimidade de quem se conhece há muito tempo. Conteúdo e processo amplificam consciências presentes, anteriores e em sentido de destino, pela interação de acontecimentos da vida e do viver, deslocando sentires que habitam o humano.
Escutamos uns aos outros em sons, traços, cores e gestos que constituem os laços de lateralidade e seus movimentos sincronizados de percepção atenta do que o outro tem a revelar. A alteridade no amor e as estações do conviver também tocaram a nossa audição conjunta, ora seguindo as rotas que nos conduzem de dentro para fora e ora nos percebendo em caminhos que nos transportam de fora para dentro.
Essa residência do “Entre Nós” tem como proposição “A arte e os sentidos – Inclusão, Percepção e Colaboração”, em matizes sociais, culturais e políticos que se expandem para multiartes, pluralidades sensoriais e devires. Na dinâmica desses múltiplos vínculos, ofereci ainda para a escuta do grupo músicas do meu repertório de “Cidadania Orgânica”, inspiradas nas conquistas do feminino, no retrocesso de intolerâncias e em dramas da crise migratória mundial.
Os sons, as palavras e as artes visuais são meios e não fim. Todos transportam mensagens que quando escutadas em trocas sem filtros podem revelar onde estamos nas histórias uns dos outros. Uma escuta é um exercício de correspondência entre o que se ouve e o que em nós a audição desperta, mas é antes de tudo um movimento de interindividualidades.
Quando nos demos conta, as horas tinham passado à margem do tempo programado para aquela prática de escuta, e as músicas tinham virado desenhos por toda a mesa retangular, em estado vivo de presença. Travessias interiores haviam sido feitas no burburinho transversal das nossas particularidades, em saudações de entrelaçamentos horizontais.