Flávio Paiva é convidado pelo artista plástico Francisco de Almeida a apresentar o catálogo da exposição “Sereias – Cio das Cores”, em mostra pública de 23 a 30 de outubro de 1990, na Assefaz Galeria de Arte, em Fortaleza.


No quasar da imaginação

Flávio Paiva

Era uma vez um sonho que costumava brincar de sereias, caramujos, conchas e mar. Brilhava ao ritmo de puras dançarinas que moravam dentro da mais cintilante das pedras preciosas. Uma crisálida transparente onde fugidios beija-flores traçavam hipérboles de prazer. Para esse sonho, que vivia no mundo da lua, a imaginação era um misto de posse, vaidade e utopia na busca do sentido da vida.

– A lua não é de São Jorge, tampouco dos astronautas, dos poetas ou dos namorados; ela é das sereias – assegurava.

Mas esse sonho, em suas explosões de luz, sentia também os presságios da solidão estampados na ausência de harmonia que, para ele, gerava a infelicidade. Foi então que resolveu procurar nas cores um despertar para a paz.

Logo descobriu que ela não estava no branco.

– Quando estava com raiva, falava roxo.

– A raiva é uma coisa sem luz – ficava a dizer.

Por isso partiu para pintar o universo de amarelo. Queria algo maior do que o infinito e acabou criando algumas dispersões estéticas. Contudo, tratava de não esquecer as referências do seu cotidiano.

– Se coloco uma casa sem portas nas minhas telas, na verdade quero pintar é a incompreensão – tentava esclarecer.

Constatou que em espaços não muito grandes conseguia maior definição e acabou flagrando a morte do cisne no lago azul. Foi aí que o sonho virou inquietação e a inquietação assumiu que se chamava Francisco. Francisco de Almeida. Esse regente pictórico das sereias tinge de acrílica e, menos intensamente de óleo, a fusão abstrata que faz entre a realidade a fantasia. Desta forma, a posição curva em que trabalha a avó da rendeira se confunde com silhuetas de flautistas e bailarinas do mar. Todas são sereias porque todas cantam para o despertar autodidata de um artista que parece disposto a investir no aperfeiçoamento técnico da sua obra, para que alcance o brilho lançado espontaneamente pelo quasar da imaginação.