Flávio Paiva foi convidado por Maurício Albano para prefaciar o livro “Panoramas – Ceará por Inteiro” (Terra da Luz Editorial), com imagens do renomado fotógrafo que retratam a essência das cores e da intensa luz do litoral, serra e sertão cearenses.


 

Por dentro do lado de fora

Flávio Paiva

As fotos de Maurício Albano sobre a cultura e a paisagem do Ceará transmitem para mim a sensação de estar abrindo janelas para lugares e situações que, mesmo sendo do meu conhecimento e da minha vivência, apresentam-se fascinantemente com segredos que desconheço.

A geografia humana e a natureza nua, fotografadas por ele com serenidade, olhar amoroso e paciência, oferecem plenitude e grandeza, diante das quais cada observador, assim como eu, tem a oportunidade de enxergar o lado de fora por dentro, em detalhes que ninguém mais consegue ver.

É um livro de belezas; um livro que estimula as lembranças de uns e desperta a curiosidade de outros; um livro de imagens e mensagens da relação da fotografia com a natureza e da técnica com o meio ambiente; um livro que anuncia a natureza também como um lugar na nossa mente.

Numa época em que felizmente a tecnologia digital massifica a fotografia, a distinção de autores da qualidade do Maurício Albano se dá essencialmente pelo diferencial da sensibilidade humana presente nas imagens e pelo comprometimento de cada um com o que tem a dizer e com o que avista e registra.

Maurício é um personagem não revelado do seu próprio trabalho. Está sempre no ponto de articulação entre o que é e o que faz. Por isso se confunde com a matéria-prima substancial de suas escolhas e encontra unidade no vínculo de fotógrafo e fotografado existente no caráter integral de ambas as criações.

A relação da natureza e da cultura com a fotografia de Maurício Albano e da sua fotografia com a natureza e a cultura não segue uma ordem, por ser um ato sem fronteiras, sem oposição, sem dominador e sem dominado. O autor e o objeto são autônomos e livres, em uma incrível troca de gentilezas.

Esse trato afetuoso resulta de uma relação de muitos anos entre o autor e a natureza. Diante das lentes de Maurício Albano, as paisagens parecem posar, como se soubessem que estão sendo fotografadas exatamente por ele. Basta olhar as fotos para convencer-se dessa intimidade sem recusas estéticas.

As fotos de Maurício revelam trocas sinceras de olhares e paixões. Nelas, não há captura, não há apropriação, não há invasão; apenas abraços, movimento natural, como quando sorvemos água da fonte, nas cabeceiras dos riachos e contemplamos o seu tagarelar descendo a serra desprendida de si mesma.

Com enquadramentos sensíveis e conteúdos espontaneamente consentidos, o autor converte imagens em poesia, pela justaposição da luz e da sombra nas cores, deixando passar pelas lentes e chegar a nós, que as apreciamos, uma síntese expressiva do seu impulso e da sua força de usufruto.

Em cada imagem desse álbum podemos ver elementos da cultura e da natureza pedindo o nosso olhar. E vale a pena dar, pois a compreensão orgânica de representação expressa na linguagem fotográfica de Maurício Albano tem bons argumentos ao engrandecimento do nosso mundo interior.

Levar as fotos para ver diante das paisagens onde elas foram feitas, admirar as imagens depois de conhecer as paisagens que lhes serviram de inspiração ou simplesmente apreciá-las são experiências de encanto possibilitadas por este ensaio-homenagem à biografia fotográfica das belezas cearenses.

Na condição de fotógrafo significativo, Maurício Albano já floresceu além da arte. É árvore frondosa a espalhar sementes do belo e do amor pela natureza. Seu filho, Ciro Albano, tornou-se referência de fotógrafo-ornitólogo, com destacada contribuição ao Nordeste no campo da observação de aves do Brasil.

Maurício sacraliza a natureza e o meio ambiente circundante como um filósofo do bosque, sempre em busca de uma sabedoria que venha da experiência, que desprenda os impulsos mais viscerais dos sentidos. Tive essa impressão quando há exatos vinte anos (1992) fiz o texto de apresentação do seu álbum de pôsteres “Fauna & Flora do Maciço do Baturité”.

Na ocasião, ganhei dele de presente um livro em cujas páginas encontrei uma chave para entender sua obra: “Para experimentar o gosto do pão terá de comer o pão, sentir o sal em sua conexão com a farinha, com o fermento e a água” (LEFORT, Rafael. Os mestres de Gurdjieff, p. 88. Edições Dervish: Rio de Janeiro, 1983).

As fotos de Maurício Albano são relatos de como ele sente o mundo, de como se sente parte dele. São mensagens visuais afloradas de um contexto experiencial, com todas as suas potencialidades sensório-perceptivas, a desafiar, com renovada plasticidade, mudanças de percepções na relação cultura e natureza.

Refiro-me a tudo isso como uma forma de ressaltar que as fotos de Maurício não estão sozinhas e que este álbum é muito mais do que um compêndio de imagens impactantes. Trata-se de um livro de código de cores e formas, aberto à experiência histórica e cultural de cada um de nós para que façamos as nossas próprias associações.

Em “Ceará, um olhar panorâmico sobre a cultura e paisagem”, de Maurício Albano, podemos desfrutar do sentimento, da emoção e da consciência que temos do que mostram as imagens reveladas por ele, seu sentido de beleza e de grandeza, ao abrirmos a janela de suas fotos e olharmos por dentro do lado de fora.