Na reta final de chegada de Phantima, o bebê da cantora e do músico moçambicanos Lenna Bahule e May Mbira, ela fez um post no Instagram com o título “Pode chegar meu filho! Mamã tá pronta!”. Fala que seu corpo está nutrido com o melhor que pode oferecer e que o pai está presente com o melhor que ele pode estar. “Venha, o mundo te espera. Queremos saber de ti. Que histórias tens para nos contar e criar. Que sons tens para trazer. Que memórias queres criar”.
Essas palavras de acolhimento me fizeram lembrar da resposta que dei à pergunta “Quais as principais virtudes a serem mais exercitadas na atualidade como tentativa de entendimento e superação de um mundo com tanta violência e desigualdade social?”, feita pela editora Albanisa Dummar Pontes, do Armazém da Cultura. Essas duas questões inspiradoras encontraram ponto de ligação na minha experiência maternal de pai, marcada pela vontade e não pelo dever.
Lenna Bahule integrou o grupo de vozes queridas, formado por ela, Anna Torres, Eric Diógenes, Euterpe, Suzana Salles, Tom Drummond, Vange Milliet e Zeca Baleiro, com direção de Paulo Lepetit, que gravou a trilha sonora do meu livro Código Aberto – Autobiografia Colaborativa (Cortez Editora), em cujas páginas 56 a 63 abordo a importância de se fazer algo pelo outro ou para o outro como satisfação da plenitude humana e não subordinado a obrigações sociais.
Ouça “Código Aberto”
Se são as emoções que determinam as nossas atitudes e, por conseguinte, a grande diversidade de modos de conviver manifestada na nossa história cultural, o grande desafio dos tempos atuais é a priorização da liberdade de cuidarmos das crianças que amamos em coexistência amorosa e estética. E isso só será amplamente assimilado e praticado a partir da construção de um consenso de valores em que a maternidade, feminina e masculina, seja sentida e respeitada como o ato humano mais importante de todos os que se imagine existir.
A aproximação desse estado avançado de grandeza passa pelo exercício de dez virtudes essenciais:
Admiração
Amorosidade
Confiança
Constância
Cooperação
Decência
Divinização da vida
Experiência estética
Idealismo
Introspecção
Entendo que a prática dessas virtudes, por desejo e não por obrigação, deterá efetivamente a fúria irracional do modelo de concentração da riqueza pela exploração das pessoas e pela destruição dos recursos naturais do planeta. É um caminho para a mudança da rota traçada pelos povos e grupos dominantes ao longo do tempo e em diferentes graus de esperteza, ignorância e ambição.
Levar vantagem desmedida sobre a natureza e promover a homogeneidade cultural em nome do crescimento econômico tem se dado em um ritmo tão acelerado que boa parte do mundo perdeu o equilíbrio entre a necessidade e a cobiça. A insustentabilidade começou com a mudança do sentido de suprir necessidades para o de criar necessidades de consumo excessivo. Essa crença compulsiva se transformou em desencanto e o desencanto ampliou a luta de cada um por si.
A desesperança chegou ao nível de morbidez e de negação existencial presente na obra do poeta uruguaio Isidore Lucien Ducasse (1846 – 1870), o Conde de Lautréamont. No Código Aberto tento resumir essa questão à luz do pensamento do psicanalista suíço Enrique Pichon-Rivière (1907 – 1977), do neurobiólogo chileno Humberto Maturana, da psicóloga alemã Gerda Verden-Zöller e do arqueólogo e escritor anglo-canadense Ronald Wright. Na condição de herdeiros de muitas histórias impiedosas precisamos pensar urgentemente na reversão desse processo de autoeliminação.
Ultrapassamos os limites do consumismo, do superpovoamento urbano e da exaustão dos recursos naturais renováveis da mãe Terra. Com o exercício da admiração, da amorosidade, da confiança, da constância, da cooperação, da decência, da divinização da vida, da experiência estética, do idealismo e da introspecção, acredito que traduziremos em prática social o que a sensibilidade humana tem de melhor.