6x Albano (+3): um romance visual
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 25 de Outubro de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Logo no primeiro momento em que folheei o álbum da exposição “6x Albano (+3)”, que tem vernissage na próxima sexta-feira (26) no Espaço Cultural dos Correios, em Juiz de Fora (MG), percebi que não se tratava apenas de ensaios de fotógrafos da família Albano. O que a trama de imagens dos nove autores reúne nesse trabalho é um romance visual de redescrição do mundo, acomodado em um só tronco genealógico de narrativas do olhar, vindo desde José Francisco da Silva Albano (1830 – 1901), comerciante e militar cearense, detentor do título nobiliárquico de Barão de Aratanha.
Como a linguagem fotográfica produz a dinâmica de um contar, no qual cada imagem vai além de si, os registros selecionados para essa mostra transmitem os instantes de intimidade captados por Ricardo, Mário, Fernando, Ciro, José e Maurício (os seis integrantes do projeto inicial), com participação de Camilla, Rita e Leonardo (os três incorporados na sequência dos acontecimentos). “O sangue de três gerações de Albanos gerou este olhar telúrico e sofisticado, artístico e jornalístico, técnico e espontâneo da fotografia”, sintetiza a curadora da mostra, Jeanne Duarte, na introdução do catálogo.
As lentes por onde passa o romance visual dos Albanos falam de amor à fotografia, de abraços aos temas fotografados e de troca de influências entre eles. Cada qual com seu tom, sua beleza e seus dizeres de luz: Ricardo revela sombras nas circunstâncias de superação do drama humano; Mário narra a vida em matiz pastel metálico; Fernando apresenta a dureza da luz na definição das formas; Ciro transpira verde na contação dos pássaros; José diz da cor da terra e Maurício traduz a cultura em tons alaranjados.
O que se destaca nesse enredo de forma e conteúdo é a sensibilidade privilegiada de quem traça a narrativa da plasticidade dos objetos, das pessoas e dos lugares fotografados. E tudo isso vai se refletindo na subjetividade dos três mais novos do grupo Albano: Camilla é toda luz amarela na sua fábula solar; Rita transita na harmonia escolada das cores diversas; e Leonardo prioriza a magia das nuanças que dão corpo ao preto e branco. As fotografias dessa exposição descrevem situações desveladoras das motivações que levam a família Albano a ver o mundo como sendo parte do que impulsiona o sublime.
Em “6x Albano (+3)”, o belo aparece sem timidez no ilusionismo de tijolos circulares dispostos dentro de um forno à lenha (José); na fissura ensanguentada e de olhar perdido do carneiro abatido (Maurício), no diálogo de olhares entre uma cara de jacaré (Ciro) e uma cara de pau (Mário); e na plasticidade do encandeamento equinocial (Ricardo), dentre outras imagens meticulosas, que reforçam seus laços estéticos na diferença. Uns mais e outros menos, para mais perto e para mais longe, mas os nove fotógrafos da família Albano são todos viajantes curiosos e apaixonados pelas manifestações culturais e pela natureza.
Quem percorre o movimento e a textura de luzes, sombras e cores de cada fotografia escolhida para essa exposição pode encontrar surpreendentes aspectos das formas e das divagações sobre a grandeza, como parâmetro de sentimentos, impressões e jeito de apreciar o que está ao alcance do olhar. As cenas comuns do cotidiano são desnudadas numa longa e complexa aventura, que tem entre seus protagonistas os índios tapebas em ritual de batismo (José), e a figura humana compondo, com caibros, galhos secos e céu azul, a construção de uma palhoça (Maurício).
Eles conseguiram cravar nesse conjunto de imagens uma história comum, da qual são protagonistas, sempre em busca de algo que possa ser fotografado. Nessa história o tempo passa de forma diferente, porque passa simultaneamente em gerações diferentes, aproximadas pelo desejo de libertar o eterno que existe no instante. A intimidade desse capricho familiar expõe-se pela sensibilidade, pelo amor à natureza e por procuras existenciais, resultando em um portfólio comprometido com a poética das imagens.
Cada Albano, integrante desse romance visual de cunho familiar autobiográfico, coloca seu estilo de vida, seu jeito de ser, dentro das particularidades exuberantes das paisagens e dos ambientes para onde apontam suas lentes, colocando as pessoas e os objetos fotografados no tempo da natureza e da vida cotidiana, num embate pacífico contra forças que pressionam a destruição da beleza e do sentido do viver.
Por sua vez, os personagens principais das imagens respondem por diversos nomes. Pode ser o da saracura, que observa siris na teia do mangue (Ciro), o da mulher que acende velas no pagamento de promessas (Mário) ou numa sala de Paris, onde uma mulher de vermelho tem sua imagem invertida na mesa espelhada (Ricardo). Essas são algumas das histórias do romance visual dos Albanos. O enredo é bem elaborado, mesmo clicado a tantas mãos. Nele, estão representados pontos de vista a respeito do que pode ser eternizado a cada instante. “6¨x Albano (+3)” tem caráter conectivo entre gerações e princípios sociais voltados ao respeito à cultura e ao meio ambiente.
Essa liga tem lá suas razões genéticas; entretanto, a convivência de inspiração familiar e as oportunidades de acesso a outros modos de ver e sentir o mundo certamente os aproximou na escolha da fotografia como meio de dizer do que são, do que sentem e do que fazem. Ricardo e Leonardo em peripécia de fotojornalismo; Mário e Rita em movimentos de cinema e vídeo; Fernando e José em conceitos de retrato e publicidade; Ciro, de fotógrafo ornitólogo; Maurício na geografia humana e natureza do Ceará; e Camilla no pique da fotografia viral. Eis, pois, o romance visual da família Albano.