O tema da vida, quando abrange a manifestação da morte, nem sempre é facilmente tratado com as crianças, até porque o mundo adulto complica muito esse entendimento, com suas ansiedades, dramas, suposições, fabulações e seus medos diante dos mistérios da existência. A arquiteta e ilustradora portuguesa Inês Castel-Branco encontrou na filosofia ora hindu, ora cristã do pensador catalão Raimon Panikkar (1918 – 2010) uma forma especial para abordar o assunto com graça e singeleza simbólica.
Em seu livro A Gota de Água (Telos, 2018), lançado no Brasil com adaptação da escritora luso-brasileira Dulce Seabra, Inês deixa o leitor infantil diante de uma estampa de águas calmas antes de lembrar que, quando uma gota de água se funde ao mar, ela não deixa de ser água, apenas perde a forma de gota. Nessa metáfora, a água, como fonte da vida, não morre. A gota perde os limites da pele arredondada que a define e deixa de existir em sua individualidade, tomando o seu destino de água na dimensão dos rios, dos lagos e dos mares.
Há muitos tipos de gotas que costumamos observar na natureza. Algumas são poéticas, como as gotas de orvalho; outras nonsense, a exemplo dos respingos da mangueira de jardim quando alcançam as lentes dos óculos; existem as melancólicas, expressas na textura dos vidros molhados em dias de chuva; e as que escorrem em forma de lágrima em rostos tristes e alegres. A água de que são feitas todas essas e outras gotas evapora, vira nuvem, volta a ser gota novamente e cai no mar. Não morre porque é uma só.
A força dessa alegoria está na inquestionável presença essencial da água em todas as culturas, e em todos os tempos. A autora aproxima do leitor a grandeza da interpretação de Panikkar, em paleta de cores suaves e traços de delicados contornos entre o figurativo, a colagem e o abstrato lírico, revelando que, mesmo sendo única, a água não é igual em temperatura, nível de salinização, transparência, contaminação e em seus múltiplos tons. Mesmo sendo um bem precioso, em muitas circunstâncias a água pode ser devastadora, como nas enchentes, inundações e barragens que se rompem.
Nas páginas do livro de Inês Castel-Branco a criança é atraída por cenas marinhas e fluviais, campestres e urbanas, confluentes na imagem que denota assemelhamentos entre os ciclos da água e da vida humana, desde o berçário até o cemitério, em paisagem chovediça que enche de pingos a terra e o oceano. Fazendo a analogia entre uma gota de água e o indivíduo, a plasticidade e a leveza do texto sugerem que morrer é como um pingo que cai no mar. E tudo o que impacta a água, seja o contato de uma gota ou quando se pisa em uma poça, integra-se imediatamente ao todo pela expansão de círculos concêntricos.
Com suas agradáveis ilustrações e seus conceitos envolventes, A Gota de Água revela diferentes visões sobre o fenômeno da vida e da morte. Se cada ser humano for comparado a uma gota de água, “que dura certo tempo e que um dia se desfaz no rio ou no mar, então podemos dizer que sua vida termina com a morte”; porém, se a pessoa for associada à água da gota, “quando ela se mistura com mais água, não lhe acontece nada! Continua a existir, sem deixar de ser o que era”; sem deixar de ser água, mesmo quando a gota se desfaz. Esse é o tipo de livro infantil que muitos adultos também precisam ler.