A animação e o cavalo selado
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 14 de Fevereiro de 2008 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O cavalo selado está passando diante do cinema de animação brasileiro. Não é ficção, é realidade. O interesse pelo País aumenta no exterior e com ele crescem os pedidos de conteúdos que falem do que somos, do que temos, das nossas lendas e mitos. Há muita movimentação acontecendo no sentido de criar as condições para que possamos aproveitar essa oportunidade e dar um salto para a ocupação do lugar da animação no audiovisual.
O aumento ano a ano da participação de trabalhos criativos no Anima Mundi é um bom indicador da tendência de valorização do cinema de animação no Brasil. No começo da década o festival contava apenas com cerca de cinqüenta filmes brasileiros inscritos e para este ano a expectativa é de que haja mais de quatrocentas obras recebidas para seleção, com diferentes variações técnicas, temáticas e de estilos.
Nos últimos cinco anos intensificaram-se ações em favor dessa arte e da sua potencial influência para a melhoria dos espaços de expressão da brasilidade no diálogo planetário, facilitados pelas mídias eletrônicas. São pessoas que estão se mexendo para estreitar as relações econômicas, culturais e políticas, que serão fortalecidas com a consolidação de uma indústria brasileira de animação.
Um passo importante para isso foi a criação em 2003 da Associação Brasileira do Cinema de Animação, APCA. Formada por profissionais oriundos da computação gráfica, dos jogos eletrônicos, da publicidade e do próprio cinema, que querem ir além das exibições de filmes de animação em festivais. A APCA se move para abrir janelas de exibição para a produção brasileira no Brasil e no Exterior.
Em tramitação no Congresso Nacional está o Projeto de Lei nº 1821/03, do deputado Vicentinho (PT-SP), que propõe a incorporação gradativa do desenho animado brasileiro na programação de tevê. Com base na qualidade técnica de classe mundial alcançada pela televisão brasileira, esse projeto pretende obrigar as emissoras a cumprir sua função formadora de cidadania, por meio do estímulo à criatividade, aos valores nacionais, ao conhecimento da língua e a nossa rica produção cultural.
O deputado Vicentinho entende que a festejada qualidade técnica da nossa televisão deveria se refletir na qualidade da programação, especialmente àquela dirigida às crianças. Na justificativa do PL o parlamentar argumenta que não tem lógica continuarmos reféns de uma programação de desenho animado dirigida ao público infantil, totalmente estranha às nossas culturas regionais e nacional.
Essa programação estimula a competição entre as pessoas, o egoísmo, a intolerância racial, de gênero e de classe social. Além de minar a autoridade dos pais e da escola. “Nossos pequenos brasileiros crescem desconhecendo e, portanto, sem compreensão de toda a diversidade que constituiu o próprio povo brasileiro, que consagrou um continente como nação”. O propósito de Vicentinho é muito bom e oportuno, embora com o inconveniente da mentalidade separatista das cortas.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, abriu uma linha de crédito destinada exclusivamente à produção de desenhos animados no Brasil. O financiamento faz parte do Programa de Apoio à Cadeia Produtiva do Audiovisual, Procult, implantado no ano passado. Como no Brasil o interesse pela exibição dos filmes nacionais ainda é reduzido, o BNDES coloca a existência de um co-produtor internacional, como uma das obrigações para aprovação dos projetos.
Na quinta-feira passada, o programa Ver-Tv, apresentado pelo professor Laurindo Leal na TV Câmara, debateu o espaço da produção de desenhos animados nacionais na televisão brasileira. Há várias gerações o Brasil se submete à dominância do desenho animado estadunidense e, mais recentemente, japonês. Estavam no programa, o deputado Vicentinho, o presidente da ABCA, Ale MacHaddo (é escrito assim, mas a pronúncia é Machado mesmo) e autor da Turma da Mônica, Maurício de Souza. O cartunista Ziraldo fez uma participação gravada.
A tese de Vicentinho é a de que a criação de uma indústria de desenho animado no Brasil possibilitaria a integração das nossas realidades regionais, ajudaria na construção de uma consciência de brasilidade e daria a meninas e meninos a oportunidade de ver filmes mais adequados à infância. Quanto às cotas, Ale MacHaddo lembra que o cinema norte-americano começou com cotas, quando os franceses dominavam a produção local. Para ele, as cotas são mecanismos legítimos de regulação de mercados.
MacHaddo defende que, considerando que todo público gosta de se ver nas produções, esse desejo de identificação deve ser explorado comercialmente. Ele informa que na América do Norte, as políticas de incentivo já colocaram o México no mercado dos Estados Unidos e do Canadá. Ziraldo acrescenta que o Brasil faz parte de um mercado vasto e que a América hispânica há muito espera que o cinema de animação brasileiro se apresente.
Maurício de Souza está vivendo um momento de crise de excesso de demanda. Em parceria com o Labocine, está remasterizando os longa-metragens da Turma da Mônica, transformando-os em curtas, e fazendo o Horácio e o Penadinho em computação gráfica, mas não tem produção suficiente para atender os pedidos do mercado internacional. Seus personagens fazem sucesso na Coréia, na Itália, Espanha, Portugal e Indonésia. Ele sabe que juntamente com os filmes seguem os licenciamentos para produtos.
Os meios de comunicação de massa precisam de produção em escala. A China está pedindo o Chico Bento e os estúdios do Maurício não têm a série para oferecer. “A fome de desenho animado no mundo é imensa”, revela o pai da Mônica no Ver-TV. Anuncia que está preparando uma série de cinqüenta programas educativos para a TV Brasil. Ele conclama que se juntem todas as forças possíveis para transformar o desenho animado em um produto de mercado.
Maurício de Souza assegura que o Brasil está cheio de bons artistas, embora não tenha mais do que cem animadores tecnicamente bem preparados. O que falta é a estrutura necessária de mercado. Sonha em fazer uma escola para aproveitar o potencial dos nossos talentos. Conta que em 2005 o governo chinês criou as condições para a formação de oito mil animadores. As condições brasileiras são propícias, segundo Maurício, pois temos uma garotada acesa, que está querendo se realizar, e o conteúdo brasileiro é essencialmente universal.
Ronaldinho Gaúcho, Mônica, Chico Bento, Saci, Menino Maluquinho, Emília e o Capitão Rapadura são personagens para Disney, Pixar ou Dreamworks nenhuma botar defeito. Nossa cultura popular, nossas histórias em quadrinhos e nossa literatura estão cheias de personagens prontos para ganhar as telas. Sem contar que a extensão mercadológica dos desenhos animados vai além do cinema de animação. A produção de animações para a internet e para telefones celulares também já conta com edições simultâneas no Anima Mundi.
O cinema de animação brasileiro conta ainda com o Centro Técnico Audiovisual, CTAv, que mantém acordo de cooperação com o National Film Board (NFB), do Canadá, o mais destacado centro de referência da animação mundial. Como eu disse há pouco, o cavalo está passando selado. Está na hora de montar nesse alazão da cultura e do mercado, que é o cinema de animação.