A arte como ato de perenidade
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 05 de novembro de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE
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Por serem transitórias, as belezas da vida e do viver são motivos de buscas constantes de fixação e representação artística. Os esforços para estancar o instante estão presentes nas essencialidades do ser pessoa ao longo da história da humanidade. Emergindo das ocorrências empíricas e associada à fantasia, a prática da experiência sensível tem na manifestação do belo um indiscutível desejo de eternidade.

A intensidade e a qualidade da arte produzida por cada civilização traduz o espírito das épocas e o quanto de mais relevante cada povo conseguiu evoluir, transformando contextos, valores, promessas e expectativas em atos de perenidade. Essa fantástica aventura da fruição artística como condição concreta da nossa liberdade de transcendência é o tema dos cinco volumes de história da arte, produzidos pela artista plástica mineira, Denise Rochael, e pela professora de História da Arte, Ana Maria Pimenta Hoffmann, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

No volume “Testemunha Calada” (Arte na pré-história), uma alegoria narrativa conta de todo o encanto da representação afirmativa dos desafios cotidianos de milhares de anos atrás, expostos nas galerias de arte das cavernas. Rochael lança mão de imagens encontradas em sítios arqueológicos para colocar a arte em um mesmo grau de importância da preservação da espécie e da necessidade de uma descendência.

Num tempo em que a terra abundava de recursos naturais e os seres humanos “tinham tudo e nada”, as pinturas nas rochas, antes da fala, asseguravam o testemunho da domesticação e da apropriação da força dos bichos pelas artes plásticas, fazendo do ato de pintar um salto para além dos limites da luta pela sobrevivência. E a autora é muito feliz na síntese de que “Somos o que nos trouxe até aqui”.

A vontade de querer arrancar de si a longevidade da beleza cativante, “de querer ter existido antes e de querer existir para sempre”, está nas divagações de um jovem escultor ateniense, personagem do volume “Deuses de Pedra” (Arte na Grécia Antiga). O poder inatingível dos deuses instigava o desejo inesgotável de criar em um mundo cercado de expressões de sentimentos provocados pelo belo nos altares, nos túmulos, nos teatros e nas praças olímpicas. Hoffmann e Rochael tratam aqui da vida esculpida em pedra, eternizada em mármore.

As ilustrações e o contar de Denise Rochael seguem o fluxo da história realçando traços distintivos da arte como força vital no tempo dos faraós, no volume “Uma arte para sempre” (Arte no Egito Antigo). O personagem condutor dos feitos da tradição egípcia é um artista de traços tão perfeitos que em sua obra o céu e a terra se confundem; alguém consciente de que para evoluir é preciso que se tenha uma alma. Com espírito felino em luta por alegria e liberdade, sua história revela o sentido de eternização movedor da criação artística e da construção no Egito Antigo.

Na abertura do volume “Entre o céu e o inferno” (Arte na Idade Média), o leitor encontra a seguinte advertência: “Cuidado! Deus o observa”. É o tom de uma época em que tudo o que era feito necessitava da permissão divina; período em que os mosteiros funcionavam como guardiões do conhecimento e fontes de reflexão, impondo-se pelo domínio da imagem, estendido por séculos, desde os pergaminhos com iluminuras até os vitrais radiantes das catedrais góticas.

A pesquisa da professora Ana Maria Hoffmann e a narrativa ilustrada de Denise Rochael explicitam bem a grandeza dessa arte de conteúdo místico, na qual a busca pela luz dos céus se dava em um mundo dominado pelas sombras. O texto em forma de relato histórico suscita evidências de como, mesmo com artistas pressionados pelo teor das mensagens teológicas, a arte deu beleza ao patrimônio de símbolos de um mundo invisível, no qual a imagem preponderava como recurso iluminado na fuga da escuridão.

A contação adquire mais leveza no volume “Uma cor entre a luz e a sombra” (Arte na Renascença), com a narração feita em primeira pessoa. Zanzando pela Itália renascentista à procura de realização, um menino, que cresceu entre pincéis, pigmentos de tintas e o cheiro forte do óleo de linhaça, fala da convivência com grandes mestres da pintura, da escultura e da arquitetura, pessoas inventivas que se tornaram imortais por intermédio da arte.

Editada pela Cortez Editora (2014), essa coleção oferece altas pinceladas de curiosidade sobre a arte como peça indispensável à vida e não apenas como resíduo do viver. Embora praticamente focada em ícones históricos formadores da visão europeia de arte, cada volume expressa planos, traços, curvas, cores, formas e abstrações da anatomia da liberdade criativa como parte da realidade interior e exterior das pessoas por meio de suas expressões plásticas universais.

Em cada volume, as expressões artísticas dizem de contextos históricos expandidos, lançados às interseções do tempo, desocultando passagens e instantes preservados pela arte no seu potencial de escapar das circunstâncias de onde emerge, para durar. Isso enquanto durar em nós a necessidade do ato contemplativo e o desejo de perenidade.