A bola de volta aos torcedores
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
O jornalista paulistano Jamil Chade, em entrevista às Páginas Azuis deste O POVO (15/02/2016, p.10 e 11), feita pelo repórter André Victor Rodrigues, defendeu que os atravessadores mercenários do futebol parem de espoliar as emoções dos torcedores e devolvam a bola a quem tem paixão pelo esporte mais popular do planeta. A situação questionada por Chade tem como base o seu livro Política, Propina e Futebol (Objetiva, 2015), no qual ele expõe a gravidade fraudulenta do padrão FIFA.
Depois de ler essa entrevista fiquei a pensar sobre o destino dos clubes de futebol brasileiros diante do mercado internacional da bola, em um mundo de transações que fica cada vez mais atraente para países agressivos nos negócios globais, como China e Estados Unidos. Os chineses estão se preparando para sediar uma Copa do Mundo e os estadunidenses querem, talvez depois dos russos, ganhar a competição para liderar os negócios futebolísticos mundiais, aproveitando a insolvência brasileira capitaneada pela CBF.
Os EUA haviam feito alguns ensaios para tornar o futebol interessante no seu mercado interno, com a contratação do Pelé para jogar no Cosmos (1975) e, depois, do David Beckham para atuar no Los Angeles Galaxy (2007). Mas, para que essas ligas 100% comerciais deem realmente lucro, criando marcas, gerando franquias, faturando com transmissão de jogos e levando consigo a venda dos produtos e hábitos do país, como uma versão hollywoodiana do futebol, eles precisam mais do que ter craques como o Gerrard (LA Galaxy) e o Pirlo (New York FC) em seus campeonatos.
Convictos de que a cadeia de valores da bola é um meganegócio, caíram em campo. E o jeito estadunidense de tratar dos seus interesses no mundo não foi diferente no caso do futebol. Mandaram logo o FBI prender mais de uma dezena de dirigentes da FIFA em uma operação surpresa na Suiça (2015), sob a alegação de que a entidade maior do futebol mundial teria sido acusada de corrupção em tribunal norte-americano. Com esse tipo de prática, anunciam aos quatro ventos quem é o dono do apito, enquanto investem na expansão da Major League Soccer e na nova liga North American Soccer League.
A China, na sua atual fase de comunista nos atos político-partidários e capitalista na ação econômica, também decidiu ser competitiva no futebol e saiu contratando jogadores em todo lugar para fortalecer a Super Liga Chinesa. Da Roma, levou o Gervinho; do Chelsea, o Ramires; da Inter de Milão, o Fredy Guarín; do Atlético de Madrid, o Jackson Martinez; e do Brasil, o Corinthians quase todo (Cássio, Renato Augusto, Jadson, Gil etc); o Geuvânio, do Santos; e o Luís Fabiano, do São Paulo, para citar apenas alguns dos nomes contratados, sem o menor problema com valores nos pagamentos de multas rescisórias.
No Brasil, a situação financeira dos clubes é deficitária, a qualidade dos nossos times é lamentável e os campeonatos são prejudicados por regras que favorecem a panelinha de clubes que manda na CBF. O nosso futebol está refém das lucrativas promoções de alto giro de jogadores-mercadorias; prática focada no atendimento à satisfação imediata do consumidor do entretenimento de massa em detrimento da paixão do torcedor, o que Chade acertadamente chamou de espoliação de emoções.