A cara de Fortaleza
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 04 de novembro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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A cidade de Fortaleza tem todos os atributos necessários para ser um importante centro urbano mundial, e não apenas uma cidade grande com aparência esnobe e vazia, como tem se apresentado por força de sua infeliz trama de esforços concentradores e ostentativos.

Em respeito ao que-há-de-ser dessa cidade, penso numa rotação de perspectiva na forma de encarar a pluralidade e a diversidade de seus estilos de pensamento e padrões culturais, a fim de que se possa estabelecer uma dinâmica de implicações recíprocas de intencionalidades.

Com relações espaciais e sociais cheias de veios, fissuras, correntes, camadas e entremeios de desigualdades, a sociomorfologia cultural de Fortaleza é um potente recurso de retroalimentação contínua e de confluência de variantes culturais, que convida a um estado de ser-de-um-lugar e de estar-no-mundo.

Há muito campo para o redesenho da fisionomia de padrões culturais cruzados definidores da geografia humana fortalezense. Tendo por base a ontologia das vertentes comunitárias constituidoras da cidade, é possível dar visibilidade às expressões sufocadas pela prevalência do egoísmo social e assumir a condição de lugar aberto e multitudinário.

Promover a conciliação desses padrões reduz o caos em que vivemos. Cabe nessa lógica a teoria rizomática dos pensadores franceses Gilles Deleuze (1925 – 1995) e Félix Gualttari (1930 – 1992), segundo a qual podemos ser a mesma coisa, mesmo tendo raízes simultaneamente em diferentes locais.

A cara de Fortaleza só será percebida de fato quando mostrar seus traços de arte utilitária e de invocatice tapuia, do espanto diante do mar cavalgado pelo nomadismo vaqueiro, da vontade de atender o cliente, presente no nosso atávico tino comercial, e dos padrões trazidos por novos empreendedores e gestores.

Os entraves também fazem parte do nosso perfil diversificado: a cultura da institucionalidade patrimonialista, que submete a cidade aos seus caprichos hereditários; a cultura da autodepreciação, que se nutre na caricatura da pobreza; a cultura imitativa gerada pelo complexo de inferioridade; e a cultura da cidadela, refletida no isolamento em condomínios fechados.

O predomínio do padrão esnobe sobre os demais gera desequilíbrios decorrentes da desmemória, da sanha imobiliária, da desoferta cultural e do turismo de câncer de pele, condenando a cidade a não-ser-lugar. A Fortaleza sem calçadas, indiferente ao pedestre, é a mesma da ausência de sombras, como negação da natureza e do passado rural.

A cidade monocultural, reprimida e reparadeira em seu cosmopolitismo provinciano, é a mesma que coopta as liberdades artísticas e abafa o pensamento livre. Esse foco na mesquinhez narrativa aumenta a dificuldade de descolonização do pensamento por ter no outro sempre um incômodo.

Fortaleza tem uma característica de grande valor, que é a de ter favelas e áreas luxuosas imbricadas. Este é um fator essencial para o funcionamento em conjunto das partes; um dos segredos para a potencialização de um lugar de conexões, trocas e confluências entre experiências e símbolos para a construção de um sentido de cidade.