A democracia na roleta russa
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 01 de junho de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Os ratos estão comendo os ratos na imundície que restou do cassino golpista da política brasileira. Figuras grotescas da República insistem em deslegitimar a política e em desqualificar a vida pública sem o menor escrúpulo. A situação agrava-se com o quadro infectocontagioso do governo bubônico instalado no Brasil, que não atende as exigências mínimas de seriedade para comandar o país.

O presidente temporário incorpora duas revanches decorrentes da sua conspiração para chegar ao poder: a revanche interna dos que estavam inconformados com a ascensão de parte da base da pirâmide social ao consumo e a revanche externa dos que estavam incomodados com a ação da diplomacia brasileira na busca da consolidação da multipolaridade.

A sensação que se tem é a de que a cidadania brasileira está exposta a um jogo de roleta russa com o cano do revólver da inconsequência na cabeça. Cada manobra processada no Planalto Central é um giro dado no tambor e uma apertada no gatilho acionado pela vontade de dar um basta nos efeitos da redução das desigualdades.

O desconhecimento da posição da bala no tambor é tenso também por conta do oportunismo daqueles que extraviaram a identidade da esquerda e fingem que não é com eles. Com seus discursos de salvação dos programas sociais, procuram detonar o ar de fracasso deixado pelo vacilo da entrega para execração, de uma só vez, da capacidade dos trabalhadores e das mulheres de governar, e de o Brasil de ser atuante no diálogo político e econômico global.

A pior bandeira que alguém pode levantar nessa situação de roleta russa em que se encontra a trêmula cidadania brasileira é a do sentimento de que no poder todos são igualmente corruptos, com exaltação da máxima malufista do “rouba, mas faz”. É a mesma coisa de dizer que todas as celebridades, chefes de Estado e empresários do mundo são bandidos porque muitos deles aparecem no Panama Papers, operando em paraísos fiscais com dinheiro sujo, por meio de empresas offshores.

A roleta russa que ameaça as conquistas democráticas da sociedade brasileira impõe uma condição de espanto pela falta de perspectivas que ela conota. Insultos e boatos estimulam o medo social da desconsideração, além de serem utilizados por grupos de interesse para jogar umas pessoas contra as outras. E não podemos esquecer do tanto que o ativismo digital tem de ignorância descuidada e de ansiedade provocada pela impotência.

Faz-se necessário reler os acontecimentos, reconsiderar grande parte dos nossos representantes e evitar soluções tomadas sob efeito emotivo. Não dá para aceitar discursos enganosos e implausíveis. A vigília de estudantes e artistas em ocupações de não reconhecimento do governo da conspiração é uma chama à transcendência do imediatismo.

O enredo inclina-se para a queda do Temer, sem uma volta da Dilma e com inelegibilidade de Lula. Caso não haja eleição para Presidente ainda este ano, novo giro no tambor será dado e a bala entra na agulha para o tiro de pleito indireto, com um novo presidente a ser escolhido pela maioria dos parlamentares que atualmente desonram o Congresso Nacional. Muitos deles bandidos disfarçados de políticos. Chegando aí… será a morte.