Era uma vez um país onde o governante controlava os boatos da nação. Isso parecia inacreditável, pois na história do poder um dos grandes incômodos dos dirigentes políticos é exatamente a dificuldade de controlar conversas que surgem do nada e se espalham irrefreavelmente, obrigando muitas vezes as autoridades a se pronunciarem sobre a autenticidade ou não dos rumores.
Quem não viveu essa situação talvez nem acredite que possa ter existido um soberano que era a própria fonte e conteúdo das fofocas. Astuto e utilizando técnicas grotescas dos tempos em que trabalhava como bobo da corte, ele aproveitou a fragilidade moral da chefia de estado e assumiu o trono, divertindo as massas e reduzindo boa parte dos formadores de opinião ao seu grau de banalidade. Assim, o rei-bufão, sempre atrevido, espalhafatoso e destituído de seriedade, fez do país um circo particular.
Com o lema “o deboche acima de tudo” ele aperfeiçoou um subgênero da política rasteira e, dominando a agenda nacional com sucessivas fake news, encontrou na desestabilização das relações sociais e institucionais um método tosco de se segurar no poder. O rei-bufão é um oportunista de ocasião, que corre solto sem opositores capazes de superar a sua mediocridade. Não que naquele país as pessoas fossem desprezíveis, mas porque ele foi efetivo em baixar a régua do debate.
A tradicional versão oficial virou stand-up, peça de entretenimento chapa-branca, com permissão pública para quem quisesse ser desagradável. O rei-bufão se divertia tocando o cargo como um ator sem grandeza, que busca na escatologia aplausos para a sua comédia. O rancor que ele tinha da imprensa era o ódio à possibilidade de verificação das suas mentiras e de revelação do mundo oculto que o patrocinava, assim como a ira que ele destilava ao universo acadêmico era a aversão à ciência e ao conhecimento.
Aquele país precisava de novas mensagens, de novos gestos e de novos atos que escapassem da ópera-bufa instalada no palco do palácio. A derrota da esperança só seria superada com novas crenças. Em vez de procurar entender onde teriam falhado, as lideranças derrotadas, mas ainda detentoras de algum poder, resolveram atacar o bobo com as mesmas armas. E quanto mais o agrediam, mais colaboravam para o fortalecimento dos dogmas que o sustentavam.
Os poucos intelectuais e políticos sérios que restaram da transfusão da utopia para a distopia ficaram, via de regra, assistindo impassíveis a ópera-bufa instalada. A sensação que dava era a de que haviam sumido no mar de opiniões impensadas que inundava o país. O rei-bufão era acusado de idiota, mas ninguém negava sua habilidade excepcional para neutralizar contrários. Pior, com suas cavilações digitais ele conseguiu o apoio velado dos que com sinceridade ou fingimento trataram de combatê-lo no seu campo de falsidades.
A contaminação da irracionalidade repercutia no país uma desforra sádica entre os que passaram a gozar com a perda de direitos e de conquistas sociais de quem não reconhecia o seu lugar. A instabilidade servia para excitar e ao mesmo tempo subjugar: o bobo era a lei, a justiça e a verdade. Alguns dos afastados do poder central, que pensavam só em si, ainda esperavam que o rei-bufão caísse sozinho para ficarem com as sobras, sem se darem conta da grande sombra que ameaçava abocanhar tudo. Enquanto isso, para se maldizerem livremente, culpavam o povo pela tragédia.