A justiça vota pela infância
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 16 de março de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF

FAC-SÍMILE

op_ajusticavotapelainfancia

Como em um jogo de tabuleiro, aquela ação civil pública foi avançando casa por casa, instância por instância, até chegar a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao examinar o processo do Ministério Público de São Paulo, a partir de caso denunciado em 2008 pelo Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, os ministros do STJ foram unânimes na decisão ocorrida na quinta-feira passada (10) de que a publicidade dirigida à criança está proibida no Brasil.

Mais do que deixar claro que assediar meninas e meninos com peças publicitárias fere a Constituição e o Código de Defesa do Consumidor, o placar de 5 X 0 em favor da infância demonstra o quanto os magistrados do Tribunal da Cidadania ouviram o clamor dos pais e educadores contra a incitação ao consumismo feita pelas empresas que não medem limites para vender produtos e serviços destinados ao público infantil.

A mensagem passada por essa decisão do STJ revela que a seriedade do tema requeria uma modificação institucional efetiva. Com essa deliberação os ministros avisam que a justiça não mais tolerará o hábito arcaico de jogar crianças aos jacarés como se as corporações fossem deuses enfurecidos que precisam da imolação de inocentes para se saciar.

No tabuleiro da comunicação mercadológica, a publicidade que procura atingir diretamente a criança passa a fazer parte dos mapas de territórios que deixam de existir para a justiça. A vitória contra essa fustigação publicitária é uma conquista das famílias, das escolas, dos órgãos governamentais e das entidades da sociedade civil que lutam ao lado da infância, mas também das empresas que procedem corretamente nos seus processos de venda.

Ao tomar conhecimento dessa decisão do STJ lembrei-me de uma reflexão que fiz no ano em que o Criança e Consumo entrou com o recurso de abusividade da campanha “É hora de Shrek”, associada à linha de biscoitos “Gulosos Bauducco”, julgada agora, e que serviu de referência para a deliberação da justiça de proibir a publicidade direcionada a crianças. No artigo A Publicidade Fora do Ar (DN, 28/02/2008) a minha preocupação era com a difícil tarefa de estancar o avanço da publicidade focada no público infantil, naquele momento em que ainda se via essa possibilidade como algo utópico.

Depois de oito anos é muito prazeroso constatar que o que parecia tão distante foi alcançado pela perseverança de projetos como o Criança e Consumo, que contribuiu decisivamente para colocar o tema do consumismo infantil na pauta brasileira, tendo sido inclusive tema de redação do Enem em 2014. É prazeroso também saber dessa decisão do STJ no ano em que o Criança e Consumo comemora uma década de intensa atividade voltada para proteger a infância do assédio da publicidade.

O acórdão do STJ poderá ser lido como um instrumento de devolução da autoridade dos pais sobre o consumo dos filhos, o que faz com que empresas, ainda apegadas às prerrogativas sem limites da comunicação mercadológica, passem a encarar os fatos, revisar práticas e tratarem de restringir aos adultos a publicidade de seus produtos e serviços infantis. Ao votar pela infância, o STJ dá um passo significativo para sairmos da inércia imposta por padrões organizados da publicidade irresponsável.