A medalha brasileira
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 10 de agosto de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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O Brasil merece muitas medalhas. Os atletas olímpicos brasileiros ganharão as possíveis, dentro da situação de descaso com que o esporte é tratado no país. Medalhistas, como a judoca Rafaela Silva, dizem, com suas vitórias, do tanto que vale a pena torcer pelo país.

Há, no entanto, uma medalha que o Brasil não pode perder, que é a medalha da nossa qualidade cultural e sua capacidade de nos colocar acima das inaceitáveis tramoias oficiais e privadas, tirando dessa complexa equação o máximo de satisfação, com o mínimo de negatividade.

A cultura brasileira, como organismo mais forte do que os parasitas que a consomem, coloca a vontade de receber bem os participantes olímpicos acima do chafurdo político e econômico resultante do quadro plutocrático e de assalto aos princípios democráticos reinante no Brasil.

É impressionante a habilidade do povo brasileiro de se desviar de certas internalizações provocadas pela má consciência dominante. Mesmo que reproduza seus discursos e até comportamentos, o que vale no final das contas é a dinâmica das interações.

Não é fácil para uma sociedade conviver com os sistemáticos ataques a tudo o que o país pretende fazer de grandioso. Quando o Brasil foi protagonista na criação dos BRICs, juntando-nos à Rússia, Índia, China e África do Sul, num esforço de contribuição para a multipolaridade no planeta, o país virou alvo de manobras neocoloniais.

Na Copa do Mundo de Futebol foi um deus-nos-acuda, com insistentes mobilizações midiáticas e campanhas contrárias à realização do evento no Brasil. O ano era de eleições para a presidência da República e para os governos estaduais, e, mais uma vez, o que imperou foi a insensatez da briga pelo poder.

O que parecia uma bagunça funcionou na hora da festa. Pelo menos na parte que dependeu da população. O caráter aberto, acolhedor e integrador da cultura brasileira deu um show de bola, o que não ocorreu com a seleção de atletas da CBF.

Chegou o tempo das olimpíadas e, depois de uma disputa ferrenha com Madri, Tóquio e Chicago, o Rio trouxe os Jogos Olímpicos para a América do Sul. Os coveiros de plantão entraram em campo falando de ameaças terroristas, incitando lobos solitários a se explodirem em público, o que atestaria a falta de condições do Brasil de sediar um certame com delegações de mais de duzentos países.

Sendo também 2016 um ano eleitoral, a grande mídia de massa e as redes sociais manipuladas detonaram o quanto puderam a conquista brasileira, na tentativa de aumentar a insegurança e a desconfiança interna e externa, por meio da produção de distúrbios perceptivos e cognitivos.

Isso quando a situação ainda não estava favorável às forças conservadoras. Com o extravio da identidade da esquerda pelos aloprados que ascenderam ao poder ancorados na moral social, o discurso sobre os Jogos Olímpicos mudou da água para o vinho. Mesmo assim, o presidente golpista recebeu lá suas merecidas vaias na solenidade de abertura.

Independentemente do número de atletas brasileiros que subirem ao pódio, a minha expectativa maior é que a mais cintilante medalha brasileira desses jogos seja aquela capaz de calar a boca dos que sempre trabalham para as coisas não darem certo. Nesta categoria, os adversários do Brasil são fortes e muitos. Mas nós temos Rafaela Silva. É ouro!!!