O tempo vai passando e o Brasil afunda cada vez mais na areia movediça do retrocesso que vem destruindo o pacto social estabelecido pela Constituinte Cidadã de 1988. Neste angustiante momento de transfiguração do sonho de um país soberano e de todos em pesadelo da dependência e da concentração, é triste ver o comportamento tosco de algumas falsas lideranças de esquerda que insistem em ficar à frente da resistência, quando não têm mais moral nem legitimidade para isso.
Esperar decência da parte de quem irresponsavelmente extraviou a identidade da esquerda quando no exercício do poder é um tanto ingênuo, mas há de se convir que se faz necessário dar um basta no cinismo desses indivíduos que, ao se manterem a qualquer custo na linha de frente das manifestações opositoras, só ampliam e aprofundam o estrago que já fizeram com o assassinato da esperança e o cultivo da descrença na política como meio de condução de conflitos entre contradições e interesses.
É muita falta de escrúpulos ganhar sobrevida política apenas em decorrência do tamanho e da gravidade dos ataques deferidos contra a população pela corja que retomou o poder republicano para promover maldades do egoísmo social que vão desde a desumana demolição da Previdência Social à venda de terras para estrangeiros. A população não sabe com quem verdadeiramente está e, diante dessa turbidez, torna-se fragilizada em seus anseios de participação.
Numa situação dessas, tem causado revolta a percepção da insensatez dos traidores do voto consciente, que não abrem espaço para o que restou de quadros políticos respeitáveis no âmbito da oposição, atrapalhando assim uma possibilidade de recomposição da credibilidade do pensamento e da ação política voltados para, dentre outros, temas da redução da desigualdade social e do serviço público eficiente e de qualidade, como proteção e alternativa ao capitalismo liberal.
Às vezes o quadro pintado com o drama esquerdista dá a impressão de que não há mais nada a fazer. Essa falsa interpretação da realidade atende igualmente aos usurpadores e a muitos dos que se nutrem do desgoverno instalado no país. A sociedade está refém dos conservadores sinceros e dos progressistas dissimulados. Enquanto permanecer nessa diagnose esdrúxula, o Brasil dificilmente escapará de uma indesejável convulsão social.
Com tais artifícios, os mentirosos oportunistas de esquerda até poderão se reeleger, mas certamente não mais voltarão a operar o grande poder. Têm podres demais e não mais merecem a confiança dos pares nem da população. Se tivessem um mínimo de dignidade, procurariam sair de cena. A condução do processo político opositor a essa perversão ideológica requer a liderança dos que se mantêm limpos e confiáveis em meio à sujeira da corrupção e do descompromisso.
A possibilidade de consequências fatais do que está acontecendo no Brasil é lamentavelmente real. O país necessita urgentemente de uma agenda comum de oposição, construída em torno de poucos princípios concretos e cobráveis. Algo que contribua para a negação da cultura do compadrio e valorize o direito, que integre mais do que segregue, que procure taxar mais a renda e a propriedade do que bens e serviços, que desfaça a imagem de que o Estado é o inimigo comum de ricos e pobres, e que seja capaz de clarear a noção de público e de bem comum.