A tecnologia na educação
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 23 de Junho de 2011 – Fortaleza, Ceará, Brasil
A escola precisa de idealização e do uso de metodologias envolventes que entusiasmem; precisa ser uma experiência de educação e não apenas uma rotina social. A aprendizagem está diretamente associada à potencialização de desejos. E não é bem isso que caracteriza a escola moderna, com professores e alunos unidos por inércia e com sua racionalidade competitiva em inelutável colapso.
Na tentativa de tornarem as escolas atraentes, muitos programas educacionais até inventam novidades, abrindo espaço curricular para disciplinas eletivas, para arte e literatura, núcleos de interesse, mais atividades em laboratórios, articulação entre diversos saberes e conhecimentos e maior aproximação de teoria e prática, arejando o cotidiano escolar.
Um dos mais novos desafios na adequação do mundo escolar aos tempos atuais é o uso das tecnologias digitais em favor da educação. Na sexta-feira passada (17) acompanhei de perto o lançamento em Fortaleza do programa “Um Computador por Aluno” (UCA), ocorrido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Estado do Paraná, no bairro do Montese.
O UCA já está funcionando em dez escolas públicas na capital e no interior com a utilização de mais de 3.600 laptops educacionais desenvolvidos com a específica finalidade educacional. O programa do Ministério da Educação (MEC), realizado no Ceará com o apoio do Instituto UFC Virtual, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Secretaria de Estado da Educação (Seduc), pretende criar e socializar novas formas de aplicação das tecnologias digitais nas escolas públicas brasileiras.
A forma que encontrei de ser grato às pessoas que me deram a oportunidade de vivenciar o momento inaugural do Programa UCA em Fortaleza foi essa de escrever e compartilhar com você, leitor, o que entendo que isso significa. O professor Rubem Alves diz que “a gente pensa que os olhos põem dentro o que está longe, lá fora, quando o que os olhos fazem é por lá longe o que está dentro” (in: A Escola da Ponte, FSP, C2, 05/04/2011).
Observei assim essa festa de lançamento. Na solenidade realizada na quadra com apresentações musicais e falas emocionadas; nas salas de aula, onde ocorriam as aulas inaugurais do programa; na convivência agradável do pátio e na animada sala dos professores, apreciei aquela fervilhante noite com os olhos de quem fantasia, os olhos de quem “vê como realidade aquilo que existe dentro de si como sonho” (idem). Aquela circunstância me colocou diante da concretude do otimismo que existe em mim.
A Escola Estado do Paraná chamou a minha atenção por ser bem cuidada fisicamente, por ter coleta seletiva de lixo, por adotar controle digital de presença escolar e, acima de tudo, pela coragem de integrar o seleto grupo das escolas que estão rompendo com a comodidade do lugar comum, expondo-se a essa provocante experiência de ação educativa. Sem receio de ser acusada de levar a “lan house” para a sala de aula, a diretora Dilma de Carvalho e sua equipe de educadoras assumiram a ousadia de autorizar a juventude a aprender se divertindo. Com isso, a escola está dizendo que a educação pode e deve ser um ato desejante.
As palavras da estudante Tamires Silva traduziram muito bem esse conceito do educar. Ela disse que estava muito empolgada com o UCA porque via nesse projeto um jeito divertido de aprender. Essa percepção expressa com espontaneidade o que para os estudantes representa a pedagogia do desafio; a pedagogia do fazer juntos, de todos serem participantes. Conversei depois com Tamires e fiquei contente por ter sabido do circulo de leituras que ela está organizando na escola e da sua vontade de ser professora, o que é um alento diante da nossa atávica desvalorização do magistério.
Por essas e outras descobertas fiquei bastante impressionado com aquele clima escolar. As educadoras, os estudantes e os pais de alunos presentes me pareceram confiantes na aposta que estão fazendo. Isso é uma premissa para o bom desempenho. A diretora Dilma de Carvalho me parece alguém que vai além do seu papel de administradora. Ela fala do projeto acreditando e isso é magnético. Transmite a sensação de que para ela a educação é realmente importante. E foi calorosamente aplaudida quando disse que “a tecnologia encanta a juventude”.
O programa “Um Computador por Aluno” coloca em pauta um tema recorrente da educação, que é a escola como espaço de encantamento, como um algo a parte que pode realmente ser parte. Com ele, educadores e estudantes aprendem a aprender, praticam o ensino com a corresponsabilidade de capturar a riqueza da educação na simplicidade prática, estética e de conteúdo, sem depositar num laptop a esperança redentora da educação.
Em reportagem de capa (O ensino digital funciona) a revista Época desta segunda-feira (20) mostra como em algumas escolas particulares de São Paulo o uso do computador e da lousa digital tem ajudado a “melhorar as notas na escola”. Mostra também que cerca de 97% da rede pública estadunidense tem um computador por aluno e que milhares de escolas alemãs estão agrupadas digitalmente, mas as estatísticas de aprendizado não melhoraram de forma significativa.
O uso inovador das novas tecnologias na sala de aula carece de novos recursos didáticos. Não é só ter o computador que o ensino vai melhorar. A matéria “A lição digital” (p. 80 a 87) enumera cinco práticas que ajudam a tecnologia a ensinar: (1) saber para que usar a tecnologia; (2) transformar o jeito de dar aula; (3) mudar a relação entre professor e aluno; (4) formar e treinar os professores; e (5) reformar a cultura escolar.
Convém lembrar que essas pistas têm sido normalmente oferecidas pelas áreas de “educação” das diretorias de marketing, comercial e de novos negócios das corporações do mercado de tecnologia digital, e não por cabeças voltadas para os interesses da sociedade. Há nesse hiato o desafio da convergência de propósitos, da gestão do tempo e da capacidade de sustentação da autoestima elevada, quando o ciclo de recompensas chegar ao limite da ascensão digital.
O coordenador do programa “Um Computador por Aluno”, professor José Aires de Castro Filho, da UFC Virtual, resumiu o lançamento do UCA como um momento histórico, pelo que a iniciativa representa em termos de inovação pedagógica, de inclusão digital e de instigante desafio na superação de paradigmas educacionais. Esse vivenciar da história em tempo real exige redobrada atenção para evitar que o fluxo incomensurável de informações e as ofertas de visibilidade feitas pelas empresas de relacionamento virtual, não causem impactos negativos na aprendizagem.
Para assegurar uma boa performance educacional com o uso da linguagem digital, o ideal seria que o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura desenvolvessem juntos um banco de fontes voltado para os conteúdos curriculares que vá além do Portal do Professor; uma “nuvem híbrida” aberta à pesquisa das escolas públicas e privadas. Isso evitaria que a pesquisa virtual escolar ficasse dependente do monopólio privado de venda de acessos, evitando também a indesejável confusão entre universalidade e uniformização.
A parceria entre MEC e MinC seria fundamental para que o computador na escola esteja a serviço da educação e não do mercado. Programas como o UCA podem facilitar a montagem de uma rede integrada de escolas, com currículo mínimo comum, deixando espaço para as peculiaridades locais, como sugerem as novas diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE). Iniciativas assim podem contribuir efetivamente para trazer a escola de volta a educadores, estudantes e seus familiares. Talvez essa seja a senha.