Emanuel Kaúla, 63, foi um dos muitos e muitos meninos que brincaram com o kit “Pequeno Químico”, da Guaporé. Para quem não sabe ou para quem não lembra, esse brinquedo vinha em uma caixa horizontal que media 28×19 centímetros e seis de altura. Dentro, um mundo de curiosidades, com estante, tubos de ensaio e reagentes próprios para experiências científicas infantis.
O tempo passou, ele estudou filosofia e economia, mas nunca perdeu o senso de malinação instigado no aprendizado daquela brincadeira. No fim de contas, tudo é química na vida. Até a filosofia, haja vista que o cérebro recorre à química para pensar. A economia também, considerando que a química está presente na produção, na distribuição, no consumo e na relação humana com o meio ambiente.
A existência é formada por inumeráveis usinas químicas. O nosso cotidiano é totalmente ligado a reações químicas que estão presentes nos alimentos, no tratamento da água de beber, nos produtos de higiene e limpeza, nos cosméticos, no vestiário etc., etc. Isso que Emanuel começou a perceber brincando manifestou-se no momento em que ele começou a desativar as atividades profissionais.
Certo dia, após assistir a uma demonstração de produção de cachaça em um vídeo no YouTube, ele resolveu adquirir um pequeno alambique de cobre. Colocou na varanda de casa. Não deu muito certo porque para o processo de destilação é necessário ter uma torneira com água por perto. Mudou para a dependência de empregada, mas ali a ventilação não era suficiente. O jeito foi levar o equipamento para a área de serviço.
Casado com a economista Gabriela Machado, Emanuel tem todo o incentivo e o apoio para realizar suas experiências. E o alambique caseiro está funcionando, mas com uma condição acordada pelo casal: toda vez que vai ter produção de cachaça, não tem almoço feito em casa. É que o processo de preparação do sumo, a fermentação e a destilação exigem um espaço maior do que o da área de serviço, o que significa a ocupação da cozinha.
No ano passado ele me contou que estava fazendo cachaça artesanal de cana-de-açúcar e que já tinha feito também de banana. Comentei que talvez sapoti desse uma boa cachaça, por ser uma fruta adocicada, suculenta, com cheiro, sabor e paladar estranhamente apreciável; uma fruta que, apesar de dar bons sucos, doces, compotas, geleias, sorvetes e licores, é basicamente consumida in natura.
O sapoti é originário da América Central e do sul do México, onde era chamado de tzapotl por maias e astecas, mas adaptou-se em boa parte da Ásia (a Índia é o maior produtor mundial de sapoti) e do continente sul-americano, principalmente no Nordeste brasileiro. O látex tirado do tronco do sapotizeiro chegou a ser usado para a fabricação de chiclete, até sua substituição por gomas sintéticas.
Nas feiras de Fortaleza e do litoral cearense, o sapoti sempre esteve presente nos meses de outubro a dezembro. Uma produção de pomares agroflorestais, de sítios e quintais. Nas últimas décadas, as evoluções genéticas possibilitaram o desenvolvimento de cultivares que produzem o ano inteiro, criando as condições para a venda regular dessa fruta também em supermercados.
Em todo caso, ainda é muito difícil conseguir sapoti em escala e com um bom nível de açúcar para a produção de aguardente. Mas Emanuel Kaúla conseguiu uma quantidade suficiente para fazer um primeiro experimento com essa fruta. Conseguiu 15% de grau Brix (medida que mostra a doçura da fruta) e produziu a primeira leva de aguardente de sapoti, com 38º de álcool. Ganhei uma meiota. Ainda carece de um pouco de aroma da fruta, mas gostei. Salve o Pequeno Químico!