Ainda convém ser jornalista?
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 28 de dezembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Neste final de 2016, ano em que o jornalismo brasileiro cometeu a imprudência de se prestar ao serviço sujo de promoção da uma ruptura democrática no país, envolvimento este que causou grandes estragos em sua credibilidade, e no momento em que as redes sociais virtuais se firmam como veículos de mídia, deparei com a pergunta de uma amiga que chegou a pensar em fazer jornalismo, mas está em dúvida se essa ainda é uma profissão que vale a pena.

Respondi que sim, pois vejo no jornalismo uma das profissões mais desafiadoras da atualidade, seja pela complexidade de sua adaptação ao espaço digital do novo capitalismo de conteúdos, pela necessidade de dar ao fato sentido político, cultural e histórico, ou pela contribuição que pode oferecer na seleção do que é importante ou não ante o permanente “brainstorming” da internet.

O jornalismo é um catalisador de complexidades no grande paradoxo criado pela rede mundial de computadores e pelos sistemas de mídias digitais, que, por um lado, possibilita plena expansão das teias de opinião e, por outro lado, filtra os assuntos que mais interessam com a “imparcialidade” dos algoritmos. Com isso, as pessoas vão se acostumando a ler apenas o que corresponde às suas preferências e, contraditoriamente, o mundo vai ficando cada vez mais monotemático, mais ignorante e mais intolerante.

É como se a sociedade tivesse assumido uma dupla personalidade: uma para o mundo social físico e outra para o mundo social virtual. E, nessa dualidade, houvesse sempre um conflito de realidades, provocado pela ação vertiginosa de uma moral vacilante. A “mídia marrom digital” se vale do benefício dessas incertezas para desenvolver negócios lucrativos, inclusive com robôs que espalham informações a partir de contas falsas, influindo diretamente na alteração do conceito de acontecimento.

Com a mudança na lógica de observação e de exposição do fato, mudaram-se as alavancas da correlação de forças, não só entre o jornalismo industrial e o de compartilhamento, mas, principalmente, entre a qualidade da informação, que tem custos de produção e distribuição, e a quantidade de expressões espalhadas gratuitamente pela rede. Nessa disputa, o jornalismo perdeu a prerrogativa quase soberana do direito de opinião e, na luta pela sobrevivência, se perdeu no mercado do infoentretenimento.

No seu esforço para se recolocar em um cenário no qual a ideia de representação está em baixa e a informação é “delivery”, o jornalismo falhou ao misturar ficção com realidade, ao deixar que, mesmo a título de criar proximidade, alguns repórteres pareçam mais importantes do que a notícia, e ao produzir conteúdos apenas em função da reação “enformada” de leitores.

O que torna a profissão de jornalista empolgante é a possibilidade de estudar, compreender, analisar e relatar a complexidade das situações, em articulação com diversas formas e plataformas, mas também contribuir para o fortalecimento das instituições e da vida democrática. As empresas de comunicação tenderão a seguir caminhando em duas pernas, uma vinculada ao entretenimento e outra focada em temas editoriais relevantes. Isso dá equilíbrio, mas o jornalismo precisa dar saltos, desmembrando e potencializando conteúdos por meio de intervenções na relação entre totalidade e fragmentos dos textos, das imagens e dos sons.