Alana no jogo da Amarelinha
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 20 de abril de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil
FAC-SÍMILE
Não que as coisas tenham ficado fáceis no campo de jogo da infância, da cultura e da publicidade dirigida a meninas e meninos, mas é confortante constatar que, dez anos depois de sua criação, o Criança e Consumo, do Instituto Alana, tornou-se um vitorioso projeto instituinte de condições necessárias à realização de ideais capazes de honrar a criança no Brasil.
Durante o evento de comemoração desse percurso de uma década de reflexão e ação em favor da infância, realizado na quinta-feira passada (14), no teatro Tucarena, da PUC de São Paulo, por diversas vezes me veio à cabeça a imagem da brincadeira de Pular Macaca, como metáfora desses avanços na construção de transformações sociais significativas.
Os depoimentos, relatos e opiniões pronunciados naquela ágora iam dando o sentido de experiência possível, como se o Projeto Criança e Consumo tivesse pegado a pedra na casa-10 de uma Amarelinha riscada em giz pelas mãos puras e poéticas da infância. Ora em um pé só nas casas quadradas, e ora com os dois pés no chão das casas retangulares.
Rompendo com o conformismo adaptativo disseminado pela ideologia do consumo inconsequente na infância, o Instituto Alana conseguiu firmar-se, sem perder o equilíbrio e sem passar a vez, em sua trajetória rumo ao Céu da Amarelinha, que é a elipse desenhada logo após o semicírculo do Inferno, onde ferve a irresponsabilidade social das empresas que se utilizam da publicidade dirigida à criança.
Há situações extremadas nas quais os atos individuais perdem força diante do resultado cumulativo da demolição cultural, psíquica e social. A ausência de limites na conquista de novos consumidores levou muitas corporações a invadir o lugar da infância, incorporando-o sem o menor pudor à trama simbólica hegemônica do consumismo. Isso fez e faz com que muitas crianças levem para o seu mundo a armadilha da fuga, e não a satisfação na experiência do brincar e da brincadeira.
Quando, na festa de lançamento do livro Criança e Consumo – 10 Anos de Transformação (Instituto Alana, 2016), no Tucarena, olhei para trás no tempo da memória e pus-me a lembrar do tanto que era mais desigual o jogo nas primeiras casas dessa Amarelinha de caráter individual, coletivo, biológico, psíquico e espiritual, imaginei os saltos seguintes pelo destino dos significados.
A questão do consumismo na infância quer dizer muito mais hoje para a sociedade do que há uma década. Mães, pais, educadoras e educadores já não parecem tão atordoados diante do assédio da comunicação mercadológica que tem a criança como alvo. Sentem o problema e sua gravidade, mas sentem também que o resultado lógico do que antes era uma situação de descrença tem uma perspectiva de avanços, na qual o desenvolvimento do ser pessoa já não precisa ser travado pela farsa do objeto, como projeção de felicidade.
Contente com tudo o que se expressa nessa comemoração do Criança e Consumo, mais do que recorrer à brincadeira da macaca como representação das conquistas efetuadas nessa década de atuação do projeto, fica o desafio individual e coletivo de que, para ganhar o jogo, é preciso seguir pulando todo o trajeto, com a convicção, a paciência e a habilidade de colocar de cada vez a pedra na casa-número seguinte.