Alemberg e o Verdão do Cariri
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.6
Quarta-feira, 30 de outubro de 2013 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE
alemberg e o verdão do cariri

Enquanto cresce no Brasil a quantidade de pessoas torcendo por clubes do futebol europeu, quer motivados pelos efeitos da nossa exportação de atletas ou como consequência da ampla visibilidade dada às equipes milionárias do grande negócio multinacional que se tornou esse esporte, o livro “Icasa do meu coração” (Casa Grande, 2013), de Alemberg Quindins, parte para o contra-ataque desse jogo. Cheio de simplicidade, mas também cheio de paixão, ele nos inspira a pensar no tanto que bom mesmo é torcer por um time local, aquele perto de nós, que tem a nossa cara.

Alemberg, o autor, é o criador e presidente da Fundação Casa Grande, de Nova Olinda (a cerca de 500 quilômetros ao sul de Fortaleza), no interior do Ceará, uma das mais exitosas experiências de organização da sociedade civil brasileira, conhecida e reconhecida internacionalmente. Mais do que apaixonado pelo Icasa, o Verdão do Cariri, cuja escolinha é frequentada pelo seu filho Pedro, ele sabe que o futebol é muito mais do que um jogo. Da sua fértil experiência com crianças e adolescentes, desenvolveu a convicção de que a arte do futebol integra muito bem o conjunto de meios educacionais de um lugar, assim como o teatro, a música e as pousadas comunitárias.

O bom desempenho do Icasa no campeonato brasileiro tem contribuído para a elevação da autoestima das pessoas no Cariri. Estive na Juazeiro do Padre Cícero por esses dias e, em conversa com o taxista Adailton, fiquei positivamente surpreso ao descobrir que ele é torcedor do Guarani, mas que deixou a rivalidade de lado para ver no Icasa um recurso de projeção da boa imagem da região. Além disso, ele argumentou que a participação de um time local no Brasileirão tem levado grandes clubes nacionais ao Cariri, aglutinando torcedores de vários municípios no estádio do Romeirão, o que é construtivo para manter a posição caririense de destacado polo econômico do Ceará.

Neste ano de 2013, o Verdão do Cariri comemora 50 anos da sua fundação, como time de operários da Indústria e Comércio de Algodão S/A – Icasa. Por isso, ao procurar definir a alma do seu time do coração, Alemberg vai às raízes da história do clube para abrir o livro com o trecho da música “Algodão” (Luiz Gonzaga / Zé Dantas), que canta o que é necessário para vencer a batalha na plantação e colheita do ouro branco mocó, de fibras compridas e sedosas: “É preciso ser forte, robusto, valente ou nascer no sertão”. A ideia de que o Icasa é uma equipe movida a trabalho e fé está cantada também no hino do clube, assinado pelo compositor Luís Fidelis: “Meu padim nos gramados do céu / é mais um craque a orar pelo Verdão”.

O texto e as ilustrações do livro “Icasa do meu coração” vêm sendo feitos há anos pelo Alemberg. São palavras e imagens emotivas, referentes à labuta algodoeira, ao ciclo socioeconômico do algodão, às movimentações no estádio, à recriação de cenas de jogo, lances mágicos, detalhes do uniforme e da vibração da torcida ciceropolitana em festa. Tem ardência nos traços do autor-torcedor, na força dos riscos e nas cores da sua paixão verde. Ele destaca a alegria de ter um time que ama, um time verde, cor de esperança, da beleza natural do vale caririense em tempo de chuva, o verde das folhas e o branco dos capuchos alvos de algodão, um clube com estado de espírito em tom de verde e branco, natureza, dureza, sonho e nuvem.

Narrar o orgulho de uma região pela conquista, pelo processo de ascensão do seu time nos campeonatos estadual e nacional de futebol, fixando o dinâmico e roteirizando o imprevisível, é uma tarefa de afoitos. Mas é assim, cheio de confiança e garra que Alemberg transmite a pureza do futebol amor, do futebol diversão, do futebol cultura. “U-tererê!”, brada o torcedor em seu grito de guerra, afirmando crenças. É um grito que ecoa como parte do fenômeno que transforma o Brasil de dentro, que desconcentra o poder de vitória estabelecido pela modernidade urbana quase como prerrogativa litorânea.

Do ponto de vista empresarial, pode-se dizer que o Icasa iniciou há cinco décadas o que a empresa austríaca Red Bull vem fazendo atualmente em vários países, que é montar um time de marca própria para se projetar em campeonatos, em vez de ser apenas patrocinador. No Brasil, a exemplo do que vem fazendo na Áustria, nos Estados Unidos, na Alemanha e no Gana, a equipe dessa multinacional já foi campeã da segunda divisão paulista, tendo como objetivo chegar à tele vitrine do campeonato brasileiro.

Apesar disso, não penso em times como o Icasa sendo alavancados por bilionários como o sheik de Abu Dhabi, dono do Manchester City, que é um time regional inglês. Também não vejo as equipes do interior do Brasil controladas por petrodólares do Catar, como o Barcelona, ou por investimentos de principado, como o caso do Mônaco. Exageros à parte, ao ler o livro do Alemberg fiquei tentado a acreditar que, mesmo em um cenário dominado pela distância do futebol-negócio, ainda há espaço para a proximidade do futebol-paixão.