Apreensivo era como eu vinha me sentindo ao frequentar a Livraria Cultura, ou mesmo apenas ao passar no cruzamento das avenidas Dom Luiz e Virgílio Távora, onde ela está localizada em Fortaleza. Os rumores de que o empreendimento paulistano de atuação nacional estava tendo queda acentuada de receita, e com dificuldade de pagamento de fornecedores, me deixavam receoso de que ela saísse de vez da cidade.
A Livraria Cultura é um símbolo de que a extrema pobreza cultural do bairro da Aldeota possa um dia ser erradicada. É espantosa a carência de equipamentos voltados para o comércio e para a disseminação de produtos e serviços determinantes de humanização nessa zona da capital cearense, de metro quadrado de elevado valor.
Sem querer fazer comparações desproporcionais, mas quem anda pela avenida Paulista encontra o MASP ali, o Itaú Cultural acolá, logo depois a Casa das Rosas, o Instituto Moreira Sales, o Instituto Cervantes, o Sesc, vários cinemas, teatros e livrarias, inclusive a Cultura. Pelo binário das avenidas Dom Luiz e Santos Dumont, e nas entrevias da sua malha xadrez, não há, praticamente, nada disso.
A rendição de parte significativa do fortalezense à proeminência social e a busca por respostas fáceis nas demonstrações de modernidade tardia colocam uma interrogação sobre qual é mesmo o mundo que temos construído para a nossa vida urbana. Em meio a essa fragilidade na forma de pensar e de se relacionar com a cidade, um equipamento como a Livraria Cultura é fundamental.
Os construtos culturais são imprescindíveis a toda sociedade que almeja alargamento de horizontes, que pretende ter vez na trama global dos conteúdos e dos negócios. As movimentações literárias de um lugar, de autores e de leitores, é que definem o seu caráter e o fortalecem como conjunto potência.
Nesse sentido, um eventual encerramento das atividades da Livraria Cultura em Fortaleza seria um grande prejuízo para a cidade. Mas eis que chega a notícia da aliança da Livraria Cultura com a Fnac, multinacional especializada na venda de música, livros e eletrônicos. Com os investimentos que a varejista francesa deve fazer para que o grupo brasileiro assuma suas operações no país, é de se esperar que a loja de Fortaleza seja mantida.
Até porque as vendas online atendem a quem procura livros específicos, mas não ao leitor que gosta de descobrir livros nas prateleiras, frequentar o café, conversar… Circula a informação de que a Livraria Cultura vai operar também o negócio virtual de livros do Extra, Ponto Frio e Casas Bahia. Seja como for, o e-commerce não invalida o ponto de venda físico, onde a marca de fato se aproxima do leitor.
O mercado editorial tem sofrido horrores nesses tempos de contravenção constitucional e de cinismo surreal. Vender livros, mesmo nas megastores focadas em tecnologia, games e eletroeletrônicos, é difícil em qualquer país onde grupos de falsos políticos se mantêm no poder à base da ignorância da maioria da população.
Em meio à novelização da turbulência que violenta o país, sobra pouca atenção a questões significativas como a oportunidade de acesso a livros e a leitura. Quase não nos damos conta de que sem livro e sem leitura dificilmente ampliaremos as nossas perspectivas socioculturais, políticas e econômicas. Fica, Cultura!