Depois de 40 anos vivendo em Fortaleza e de ter morado em oito bairros da cidade (Benfica, Centro, Jacarecanga, Varjota, Papicu, Aldeota, Dionísio Torres e Meireles), participado de muitas e variadas ações culturais e de cidadania, resolvi escrever e compor um livro-cd com uma síntese livre do que ouvi da cidade ao longo dessas andanças. Foi assim que nasceu “Bulbrax – Sociomorfologia Cultural de Fortaleza” (Armazém da Cultura), lançado dia 23/05/2017, no teatro Ceará Show, no bairro do Meireles, em espetáculo musical de ILYA, com produção de Gustavo Portela e participação especial de Daniel Groove e Orlângelo Leal (Dona Zefinha).

A parte de produção do trabalho em si começou no réveillon de 2016 e terminou no final de dezembro do mesmo ano. Foi um período de intenso mergulho em referências factuais e bibliográficas, movido pela vontade de um dia ver a nossa cidade (digo nossa porque além dessas décadas de vivências, recebi formalmente o titulo de Cidadão de Fortaleza, em 2006) firmada como uma metrópole mundial. E isso passa pelo debate aberto sobre suas ambiguidades, contradições, paradoxos e pela relativização de suas leituras hegemônicas e centralizadas.

A palavra Bulbrax é um neologismo que criei para tentar ver o invisível e compreender o incompreensível no âmbito dos valores centrais de uma cidade de riqueza cultural diversa e plural, sufocada por padrões superficiais de comportamento e por seu materialismo vulgar. Isso, apoiado na noção de que as coisas que parecem verdadeiras nem sempre o são. No caso de Fortaleza, por exemplo, é muito comum a confusão que se faz entre a cultura do lugar e o seu padrão cultural dominante. É nessa procura por lugares além da fronteira do possível que se dá a narrativa literária e musical do Bulbrax.

Bulbrax é um ensaio experimental. Todo ensaio é por natureza experimental, no que diz respeito aos aspectos interpretativos, de julgamento e posicionamento do autor. Embora pareça redundante, realço o caráter experimental de Bulbrax pelo tanto de liberdade que exerci no uso de intertextualidades e metalinguagens para compartilhar meu olhar apaixonado e indignado sobre Fortaleza. Uma das características marcantes deste trabalho é a imprevisibilidade da página e da faixa seguinte, do começo ao fim. Não dá para saltar páginas nem músicas e pensar que leu e ouviu Bulbrax e seus campos de sentido.

Os temas das questões culturais e de cidadania têm sido tratados por mim em diversos livros e abordagens. Em 2014, publiquei “Invocado – um jeito brasileiro de ser musical” (Armazém da Cultura); em 2009, “Eu era assim – Infância, Cultura e Consumismo” (Cortez Editora); em 2005, “Anel de Barbante – Ensaios de Cultura e Cidadania” (Omni); em 2003, “Mobilização Social no Ceará – 16 anos de tentativas e 1 promessa de diálogo” (Edições Demócrito Rocha); em 2001, “Como braços de equilibristas” (Edições UFC) e “Os 5 Elementos – A essência da Gestão Compartilhada no Pacto do Ceará” (Qualitymark, parceria com João de Paula Monteiro); e em 1994, “Gestão Compartilhada – O Pacto do Ceará” (Qualitymark, parceria com João de Paula Monteiro, Osmundo Rebouças e Cláudio Ferreira Lima).

No entanto, gosto de dizer que a infância do Bulbrax está no livro “Fortaleza – de dunas andantes a cidade banhada de sol” (Cortez Editora, 2005), no qual conto para as crianças o que a cidade me contou. Essa noção de que a cidade fala ressoa nas páginas do livro e no CD Bulbrax. Ou seja, antes de pluralizar o olhar, procurei pluralizar a escuta. Assim, espero poder contribuir para a percepção de que já está mais do que na hora de fazermos uma rotação de perspectiva na forma de tratar a pluralidade e a diversidade de Fortaleza, de modo que a cidade passe a ser escutada, vista e valorizada pelo seu relevante potencial cultural, e não apenas por suas insuficiências e desnecessárias desigualdades.