Armadilhas da xenofobia
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 07 de setembro de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Um dos mais graves transtornos sociais da atualidade é a xenofobia. Não mais apenas na extensão do que o termo exprime etimologicamente, como aversão ao estrangeiro ou ao incomum, mas na força que o seu sentido passou a ter em todo o mundo como instrumento de motivação psicológica na luta pelo poder entre pessoas, grupos e nações.

O uso ideológico desse sentimento é o tema do livro Xenofobia – Medo e Rejeição ao Estrangeiro (Cortez Editora), do historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, da UFRN, lançado semana passada (31/08) em debate no Salão das Ideias da Bienal do Livro de São Paulo, com a participação da historiadora Arlene Clemesha, da USP, e do sociólogo Reginaldo Nasser, da PUC-SP.

O uso da xenofobia para produzir instabilidades e manter domínios é tratado por Dantas como parte das reações agressivas à abertura do mundo e à necessidade de reconhecimento do outro que essa nova realidade exige. As crescentes manifestações de intolerância decorrentes do aumento da mobilidade das populações alimentam, segundo o autor, discursos conservadores e renovam o poder da extrema-direita.

Dos grandes líderes mundiais contemporâneos, eu diria que talvez apenas Nelson Mandela (1918 – 2013) tenha defendido e praticado o combate ao rancor e, por conseguinte, à xenofobia. Infelizmente, a exasperação da desconfiança e do medo tem sido também uma prática dos falsos esquerdistas que buscam o poder explorando a paranoia dos ressentimentos e espalhando ódios.

A pregação da xenofobia, com suas cercas e muros, está voltada aos que se deslocam em situação de precariedade. Em sua exposição na Sala de Ideias, Durval ilustrou essa percepção lembrando, por exemplo, que o estigma a que está submetido o islamismo não compromete a vida dos sheiks árabes, muçulmanos donos de grandes fortunas no Ocidente.

A xenofobia, para o autor, “não é motivada apenas por preconceitos de cunho racial, não é exclusividade de países ocidentais, não ocorre apenas em países ricos…” (p.75). Sua análise passa pelo conceito foucaultiano de biopoder, considerando tanto o controle das populações pela sujeição do corpo quanto pelo fenômeno da insegurança despertada pelo desejo do diferente.

No debate, Reginaldo Mattar lançou mão do clássico Tuareg, do escritor espanhol Alberto Vazquez-Figueiroa, para ressaltar o valor da hospitalidade como traço cultural de um mundo considerado ameaçador. A história do beduíno que dá a vida para fazer valer a honra do hospedar é um grande achado em tempos de exacerbação xenofóbica.

Arlene Clemesha falou das contradições do etnocentrismo e fez a leitura de trechos de uma parábola de Attar, poeta persa (iraniano) do século XII, cujo conteúdo simbólico segue tão atual. É um poema que conta da busca por um rei que fosse capaz de bem-governar o país dos pássaros. E muitos voaram na missão de encontrar um certo Simorg, a fim de torná-lo rei.

Depois de cruzarem os vales da busca, do amor, do conhecimento, da autonomia, da união, do espanto e da privação, apenas trinta pássaros conseguiram chegar ao destino. Estavam cansados e depenados, mas o esforço compensou porque foi assim que descobriram que o Simorg era um espelho, e que foi buscando por um rei que eles se encontraram.