As vantagens do biodiesel
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno 3, página 3
Quinta-feira, 01 de Fevereiro de 2007 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O intenso aquecimento do planeta, a redução das reservas mundiais de petróleo e a pressão da crescente consciência ambiental em todo o mundo tornam inadiável a opção pelos biocombustíveis. Nesse cenário, o Brasil tem tudo para ser um dos maiores e mais destacados líderes mundiais na produção de energias renováveis. Poucos países possuem as nossas condições de produção de agroenergia, tanto de biodiesel quanto de etanol (álcool), nessa busca civilizatória por novas matrizes energéticas.
Em etanol, já somos, juntamente com os Estados Unidos, os maiores produtores mundiais. Nós, com base em cana-de-açúcar, e eles, a partir do milho. A inflexão no mercado mundial de combustíveis renováveis, biodegradáveis, não poluentes e destituídos de substâncias cancerígenas ganha força com o biodiesel, novo combustível, feito com óleos vegetais, contendo as mesmas propriedades do óleo diesel.
A industrialização de biodiesel na Europa começou na década passada, à base de canola. Alemanha e França são os maiores produtores da União Européia, com programas centrados em pequenos produtores. No Brasil desenvolvemos essa tecnologia bem antes, no auge da grande crise mundial de petróleo de 1973, mas a visão dos nossos governantes à época só teve olhos para o Proalcool, programa de substituição da gasolina por etanol, feito à base de cana-de-açúcar. Esse arrojado programa chegou a contar com a participação de brasileiros idealistas como o piloto Emerson Fitipaldi, nosso mais respeitado campeão mundial de Fórmula 1, que movido pela crença na inteligência brasileira trocou a McLaren por um carro da Coopersucar.
O Proalcool teve muitos problemas de articulação, gerenciamento e de mercado, chegando a ser desacreditado. Diferentemente do biodiesel, o setor de álcool combustível tem características essencialmente monoculturais, latifundiárias e de alta concentração de riqueza e renda. Seu peso é bastante significativo na crescente corrida de investidores estrangeiros em agroenergia no Brasil. Na busca de oportunidades que garantam alta rentabilidade, empresas francesas e norte-americanas vêm adquirindo grandes áreas de terras nas regiões onde é possível cultivar soja, girassol e canola de forma mecanizada e em larga escala para a produção de biodiesel. Essa é a visão de fora para dentro do País.
De dentro para fora, o despertar para o biodiesel nasce da compreensão de que o benefício econômico pode resultar de uma solução social e ambiental. O algo mais do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel do Governo Federal é a sua vertente fortalecedora da cultura de sequeiro e da produtividade no semi-árido, por meio da plantação de mamona. Até o início do século XX tivemos uma das melhores performances econômicas da região, com o consórcio algodão e pecuária bovina. Agora, com a possibilidade de um novo consórcio mamona com feijão temos a chance de produzir o óleo verde capaz de contribuir diretamente para o desenvolvimento da região nordestina.
No Ceará, temos especialmente um forte motivo para ter orgulho de o biodiesel estar dando certo, por se tratar de uma tecnologia cearense. O professor Expedito Parente, químico da UFC, é o autor da primeira patente mundial do biodiesel. Precisamos festejar essa vitória da nossa ciência. Precisamos bater palmas também para pessoas como o deputado Ariosto Holanda e outras que sonham e trabalham incansavelmente por um Ceará proativo e não pedidor de esmolas.
O governo Lula, o DNOCS, o governo Cid Gomes e alguns grupos e instituições governamentais e não-governamentais, estão empenhados na viabilização desse projeto. Entretanto, para que o biodiesel vingue, precisamos mobilizar toda a sociedade, as ONGs sérias, a iniciativa privada e os governos municipais. A cadeia sócio-econômica da ricinocultura (como é conhecida a agricultura mamoneira) pode tornar-se de grande importância para o nosso Estado, região e país.
Com a instalação das usinas de biodiesel, aproveitando as nossas unidades algodoeiras desativadas, está criada a demanda. Temos agora que correr para a organização da produção local, para a capacitação das pessoas e para o incentivo de cultivares. Lavouras familiares, assentamentos do INCRA, cooperativas, células de agricultura comunitária e pequenas empresas terão bem mais oportunidade de participar dessa revolução de agroenergia, se motivadas por uma ação coletiva, em especial dos órgãos de desenvolvimento como o Banco do Nordeste. Para dar certo, dependemos de multiplicação de sementes, de mais produção de mudas, de linhas de financiamento com juros sociais, de política de preço mínimo, assistência técnica e, principalmente, da criação de uma consciência coletiva da grandeza do que temos nas mãos.
A gente nordestina não deve desperdiçar esse momento de busca de saídas sustentáveis e de participação digna e efetiva no desenvolvimento brasileiro. Há um século, o lendário empreendedor cearense Delmiro Golveia (1863 – 1917) lutou para desenvolver o Nordeste, combinando agricultura com tecnologia, e os governos de então não o apoiaram. Na sua teimosia, acabou sendo assassinado em pleno sertão pela ira multinacional do mercado têxtil. A intervenção que ora se delineia na nossa estrutura produtiva ocorre com a participação do governo brasileiro no fortalecimento do agronegócio na zona rural.
A ricinocultura não se resume, contudo, à produção de biodiesel. Dos subprodutos gerados da extração do óleo produz-se inclusive adubo orgânico para recuperação de solos esgotados. A fitomassa da cultura da mamona de sequeiro colabora para reduzir o efeito estufa, ao retirar seqüencialmente do ar o gás carbônico, um dos principais responsáveis pelo aquecimento da terra. Sua cadeia sócio-econômica abre boas perspectivas para a inovação em uma sociedade tendente aos produtos naturais. Passa por perfumarias, tinturas, vernizes, cosméticos, graxas, óleos para massagens terapêuticas, lubrificantes e propriedades curativas. No passado, era comum a ingestão de óleo de ríncio para gases, cólicas, úlceras e eliminação de toxinas.
As vantagens do biodiesel, particularmente o combustível limpo produzido com a baga da mamona, ainda enfrentam incompreensões por parte de muitos brasileiros que não conseguem perceber a importância de um programa de desenvolvimento integrado no qual as questões sociais, regionais e ambientais antecedam à econômica. A oportunidade é única. Com ou sem a participação do semi-árido o biodiesel será um sucesso no Brasil. E será um sucesso bem maior e bem mais valoroso se conseguir equalizar parte das nossas desigualdades regionais, contando com a força nordestina na conquista da liderança mundial de agroenergia.