Ato-arte de Chico César
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 30 de março de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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O que inicialmente seria um show de Chico César em favor do Teat(r)o Oficina, cujo entorno vem sendo duramente ameaçado pela especulação imobiliária, ganhou tanta força que acabou virando temporada toda quarta-feira deste mês de março, naquele incrível espaço desenhado pela arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992), no bairro do Bixiga, em São Paulo.

O espetáculo Ofício Cio Sina uniu Chico César e os atuadores da Uzyna Uzona, tendo como catalisador o conjunto de poemas dos livros Cantátéis – Cantos Elegíacos de Amozade, Rio Sou Francisco e Versos Pornográficos, do cantor e compositor paraibano. Atores e atrizes escolheram os versos que desejaram recitar e encenar, e o autor organizou as músicas para o show-ritual de artes, alegrias e prazeres.

Com a expressão do ser primitivo de cada um, representada em figurino de peles, palhas e chifres, envolvendo o público na simbolização da ressurreição da carne e libertação da alma por meio da música, do teatro e da poesia, o espetáculo é primoroso em sua expressiva organicidade. Estive lá na quarta-feira passada (23) e pude usufruir da variedade de momentos construídos de silêncio, atenção, troca de lugares, canto junto, dança e sentido de celebração.

Senti o Teat(r)o Oficina pulsando como um organismo vivo. Nele, não havia separação entre palco e plateia. A cena, sempre aberta, composta por um extenso piso de madeira que cruza todo o prédio de tijolos, com janelão de vidro, jardim e andaimes, dentro do conceito de beco, possibilitava a recaptura do sentido de experienciação comunitária com sua magia do encontro, do abraço, do afeto e da proximidade nas relações.

Chico César atua no Ofício Cio Sina como um tipo de corifeu em diálogo poético-musical com atores e espectadores. Enquanto trechos dos seus poemas são interpretados em pontos diferentes dos múltiplos recantos do teatro, performances de dança e de escalação das armações metálicas laterais realizadas pelos atores estimulam a movimentação do público, produzindo uma dinâmica de papéis integradores de diversidades.

No reino poético desse ato-arte em aconchego visceral, uma câmera gera imagens que são projetadas instantânea e simultaneamente em três direções, dinamizando as cenas de canto e drama de Chico César e da companhia da Associação Uzyna Uzona. A narrativa declamada conta com auxílio pantomímico em manifestações como na cena em que o ator chupa eroticamente uma manga em gesto lúdico de liberação da libido.

Em jogo teatral, recitativo e de coreografia livre, o espetáculo atiça corpos, ouvidos e vozes em flexão imagética de realidade objetiva e subjetiva. O show-peça Ofício Cio Sina tem a força vital da ancestralidade e do sentido de destino das tribos urbanas contemporâneas, em confluência de classe de ritual poético. Nesse cenário, Chico César assume diversas funções, como se fosse um feiticeiro que, por associação psíquico-cultural, mostra-se convencido do papel que representa.

Na noite em que fui ver o Ofício Cio Sina, o espetáculo terminou com todo mundo mergulhado em magia dionisíaca, formando uma grande roda na parte externa dos fundos do teatro, sob o encanto de uma lua que se apresentava como divindade do ciclo do viver. “Morte e vida Severina / Pro filho de Etelvina”!!!