Barthes, no plural e livre
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 19 de agosto de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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O pensador francês Roland Barthes (1915 – 1980) é um dos intelectuais que me atraem pela forma independente com que se dedicou a vários campos do conhecimento, indo da teoria e crítica literária à semiologia, passando pelo teatro e pela fotografia. No próximo dia 12 de novembro ele estaria completando cem anos e, por conta desse centenário, pude ver no sábado passado (15) a exposição Roland Barthes Plural, na Casa das Rosas, em São Paulo.

Embora sendo um pensador que ocupou muitos lugares e passou por vários estágios do exercício reflexivo, ele não quis ficar acomodado a qualquer deles. Conhecido por sua prática de olhar inventivo e não explicativo, mais do que querer compreensão de seus leitores, Barthes escreveu envolventes provocações que levam à reflexão pela aproximação do fator crítico da sensualidade verbal.

Gostava do sabor das palavras, e não apenas do saber que elas sugerem. Isso valia inclusive para quando falava de si, como em Roland Barthes por Roland Barthes (1975). Na mostra, um trecho inusitado de sua autobiografia ilustra bem esse valor: “Não falar de si próprio pode querer dizer: Eu sou aquele que não fala de si próprio; e falar sobre si próprio, dizendo ‘ele’, pode querer dizer: Falo de mim como se estivesse um pouco morto”.

Livre das buscas pelo poder distintivo do conhecimento, numa sociedade apegada à voz dos especialistas, Barthes não se fixou em qualquer escola estilística, corrente partidária ou movimento intelectual. É um inclassificável, conquanto não procurou ilustrar qualquer ciência; e um mutante em suas incursões como vigilante da palavra, da imagem, da moda e suas matrizes de sentido.

Roland Barthes refletiu sobre a linguagem política e trabalhou a noção de mito, não como artifício da ignorância para explicar o desconhecido, mas como recurso discursivo presente na publicidade e no entretenimento. Tratou a literatura e as artes como os objetos de linguagem que são, como instrumentos de avanços da percepção nas transversais do tempo.

Toda a estratégia de desaparição autoral forçada pela nova economia do mundo digital e em rede foi antevista por Barthes em A Morte do Autor (1968), obra em que ele denuncia a substituição do nome do criador pelo do produtor; a substituição de quem elabora obras que duram no tempo pela de uma atividade e seus interesses efêmeros.

A exposição dá destaque especial à sua crítica da fotografia como um rastro de realidade, tema presente em A Câmara Clara (1980), obra na qual Barthes procurou fazer uma leitura da percepção a partir de fotos, não apenas como imagem ou signo. E apresenta trabalhos de fotógrafos do mundo inteiro ilustrando pensamentos de Barthes como: “O que a fotografia reproduz, ao infinito ocorreu uma só vez”.

Para mim foi agradável e curioso conhecer algumas aquarelas pintadas por Roland Barthes e ler o que ele refletiu sobre isso: “Sem ilusão, mas com alegria, brinco de ser artista (…) Talvez o alívio de poder criar algo que não esteja diretamente na armadilha da linguagem, na responsabilidade fatalmente ligada a toda frase: uma espécie de inocência”. Genial!